Militares reprimidos se refugiam em uma casa num sítio para adotar personalidades femininas. Longe dos olhos da Ditadura, assumem nomes de mulheres, põem sutiã, vestem vestidos e perucas. Aqui eles não são coronéis, mas divas do rádio, escritoras e até primeira-dama.
“Casa Izabel” é um deboche com a Ditadura que precisava no cinema brasileiro. Mas mais que um recorte histórico, o filme, que abriu o festival Olhar de Cinema nesta quarta-feira, dia 14, é uma obra completa, com os melhores elementos do cinema.
Em “Casa Izabel” temos um filme sobre a Ditadura e seu contexto social em que não aparece sequer um militar fardado. Um verdadeiro primor.
Caprichosamente dirigido por Gil Baroni, o longa mescla drama e comédia, suspense e ação. Na parte técnica, apresenta fotografia e edição exuberantes e uma trilha sonora escolhida a dedo.
Em “Casa Izabel” , os atores brilham e, quando isso aconteça, a obra ganha vida. Luis Melo mostra mais uma vez que é um monstro do cinema brasileiro. Além dele, outras atuações chamam atenção, como Jorge Neto, Sidy Correa e o curitibano Andrei Moscheto, do grupo de teatro Antropofocus.
Com roteiro de Luiz Bertazzo muito bem elaborado, “Casa Izabel” não acaba nos créditos. Continua reverberando e suscitando questões: quem eram, afinal, aquelas pessoas? Como foram parar ali e descobriram o local? Como são suas vidas fora dali? Como surgiu a Casa? Uma obra não precisa responder tudo e deixar mistérios no ar é parte do ofício.
O filme também tem contrastes. Se há pessoas que buscam a Casa Izabel para, de alguma forma, se libertarem, para as pessoas que moram lá o local é uma prisão da qual querem fugir. Outro contraste aparece ao mostrar o fim da vida e o alvorecer da juventude. A personagem de Izabel, interpretado por Luis Melo, está em seus últimos momentos, com um amargor que não permite ter paciência com sonhos próprios da juventude, aqui vividos pelo seu sobrinho, a quem trata mal. Em dado momento, fala para ele: “Sai de perto que esse cheiro de juventude me enoja”.
O contraste também está na maquiagem, nos figurinos, nas cores e na cena do copo de leite caindo no chão e se misturando com sangue, em uma passagem que tem um ar tarantinesco. E na bela cena da banheira com pétalas de rosa, que lembra “Beleza Americana”.
Mais que um filme sobre Ditadura, Casa Isabel é uma história sobre pessoas, afetadas pelo contexto de uma época, e também um mergulho no universo crossdressing. Mas também é um grande exercício de cinema. São muitas as referências trazidas por Baroni.
A história se passa praticamente toda em único lugar, a Casa Izabel, onde coisas estranhas acontecem, na onda dos suspenses da moda – como “O Chef” – e de clássicos como “O Iluminado”.
Em tempos tumultuados politicamente em que temos de cuidar com cada passo para não pisar em falso, é sempre importante revisitar o passado. E melhor ainda é usar o humor como instrumento, sem ser panfletário.
Filmes que abordam a Ditadura no Brasil há muitos, mas certamente a irreverência trazida por Casa Izabel é uma excelente novidade. E é uma satisfação o filme ser uma produção curitibana.
Cidade dos festivais
Cabe destacar, ainda, a acertada a escolha do festival em fazer a abertura na Ópera de Arame, um cartão postal e palco sagrado das artes em Curitiba, o que propiciou um encontro de uma multidão que jamais seria possível em uma sala de cinema. Se há perdas na questão técnica – o som, principalmente – os ganhos em termos de amplitude do evento e congraçamento das pessoas certamente compensa.
A Ópera de Arame lotada mostra a força de Curitiba em festivais de artes, com um calendário movimentado e eventos sólidos, como o Festival de Curitiba.
Olhar de Cinema
O festival segue até 22 de junho, ocupando as salas de cinema da cidade. As atrações serão exibidas no Cine Passeio e no Cineplex do Shopping Novo Batel, com produções de todo o mundo, assim como no Cine Teatro da Vila, no CIC, e na Ópera de Arame.
No total, são 87 filmes, entre curtas e longas-metragens, que fazem parte das 10 mostras do evento, sendo a Mostra Competitiva Brasileira, a Mostra Competitiva Internacional, a Mirada Paranaense, a Mostra Foco, a Mostra Olhar Retrospectivo, Mostra Pequenos Olhares, a Mostra Novos Olhares, Filme de Abertura, Filme de Encerramento e Exibições Especiais.
Colaborou Eduardo Matysiak
Serviço:
12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba
Data: 14 a 22 de junho de 2023
Ingressos pelo site oficial: www.olhardecinema.com.br
Produção: Grafo Audiovisual
Patrocínio: Itaú, Uninter, Peróxidos do Brasil e Sanepar
Realização: Ministério da Cultura – Governo Federal – Brasil União e Reconstrução; Projeto realizado com o apoio do programa de apoio e incentivo à cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba.