Homem com H é um grito sobre a ânsia de ser livre

Divulgação

Muito mais do que um artista exótico ou um dândi, Ney Matogrosso é uma das figuras mais singulares da música e da cultura brasileiras. Ícone de transgressão estética e afetiva, Ney construiu uma trajetória que rompeu com padrões de masculinidade, de gênero, de performance e de linguagem artística. O filme Homem com H, dirigido por Esmir Filho, se propõe a investigar, mais que a figura pública, os bastidores subjetivos da construção desse artista que ainda hoje desafia rótulos.

A obra aborda a juventude e os bastidores da formação do artista que revolucionou os palcos brasileiros, mas não se limita ao espetáculo. O filme mergulha em sua intimidade. Jesuíta Barbosa interpreta Ney com intensidade e entrega, sem recorrer à imitação. Em vez disso, constrói uma presença que reverbera a essência do artista, num registro que alterna força e vulnerabilidade.

O filme mostra um Ney que não se submete à lógica da posse. Em um de seus momentos marcantes, o cantor afirma que Cazuza nunca foi seu ex porque nunca foi seu, porque o amor, para ele, não é posse. Essa frase ecoa a liberdade com que viveu suas relações, inclusive com o próprio Cazuza, com quem teve uma conexão amorosa e artística intensa, embora conturbada. O filme não romantiza: mostra o rompimento causado pelo envolvimento de Cazuza com as drogas e as cicatrizes e vínculos que ficaram.

Outro núcleo sensível da narrativa envolve o companheiro de Ney nos anos 1990, que viveu ao seu lado até ser levado pelo HIV. A relação é mostrada com delicadeza, em contraste com a explosividade da vivência com Cazuza. Em ambos os casos, o amor é apresentado em sua dimensão humana, generosa e real.O filme trata esse processo com dignidade, mostrando, novamente, uma relação amorosa sem aprisionamento, mas com responsabilidade afetiva.

O longa insere também episódios reveladores do processo artístico de Ney. Um dos mais comoventes é a conversa com Gonzaguinha, quando Ney hesita em gravar a música “Homem com H” por temer ser acusado de apropriação cultural, pois se trata de algo que remete ao forró e ele não é do Nordeste. Gonzaguinha responde: “Eu fico pensando: e você não gravar, quem vai gravar essa música? Com você ela se expande e ganha outras conotações.”

Além de Jesuíta Barbosa, o elenco conta com Ícaro Silva (como Cazuza), Ismael Caneppele, Cecília Homem de Mello, Felipe Abib, Bruno Gagliasso e Alessandra Maestrini, entre outros. A trilha sonora é naturalmente um ponto alto, com recriações musicais e interpretações que valorizam o repertório de Ney sem cair no pastiche. 

“Homem com H” é um retrato da formação de um corpo político-artístico em movimento. Fala de uma pessoa que jamais se permitiu enquadrar e que fez da arte sua trincheira e seu refúgio. Um artista que, a cada vez que sobe ao palco, reafirma sua liberdade — algo que ele nunca aceitou negociar.

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