Quase cinco décadas depois de ter marcado a música brasileira com o Secos & Molhados, Gerson Conrad mudou-se para Curitiba para escrever um novo capítulo de sua vida. Há três anos, deixou São Paulo para viver na capital paranaense. Não por causa do clima, da tranquilidade ou das capivaras do Barigui, mas por um reencontro amoroso.
E como toda boa história de amor, tem até trilha original. A canção, que começa com os versos Me beija, meu amor, continua a me amar dessa maneira/ Grita esse desejo, me leva contigo, nosso amor é antigo será parte do repertório que o artista apresenta nesta quarta e quinta-feiras (dias 20 e 21), no Guairinha, em seu retorno aos palcos. Conrad voltou com tudo, com uma banda daquelas, e logo excursionará pelo Brasil com seu repertório próprio e versões de clássicos do grupo que fundou e que revolucionou a música brasileira.
A história de amor que vive hoje, aliás, precede o Secos e Molhados. Após um hiato de 50 anos, ele e a companheira Gisele reencontraram-se. Foi a força motriz para que trocasse São Paulo, onde as coisas não param, por Curitiba, enfrentando novos desafios, como achar bons restaurantes abertos após as 22h.
Ele não reclama. Diz que já se acostumou, embora enfrente outros desafios além do relógio que anda mais devagar. Como não conhece a geografia da cidade, prefere se locomover de Uber. “Aqui, os horários são diferentes, tudo fecha cedo. Mas agora estou mais calmo, acostumado com o ritmo da cidade. Está me dando uma qualidade de vida melhor que São Paulo. Para mim, que saí de São Paulo muito tarde, acho que Curitiba tem um espírito de cidade do interior.. Mas a vida me trouxe para cá, e hoje estou mais tranquilo.”
Se na vida pessoal hoje ele desfruta do reencontro amoroso, na esfera profissional é melhor os fãs não criarem expectativas: é improvável um novo show do Secos e Molhados. “O João Ricardo é uma pessoa muito difícil de trabalhar”, diz sobre o principal compositor da banda. “Talvez, há uns anos, o próprio Ney diria ‘não’ a essa possibilidade, mas hoje acho que ele até reconsideraria”, acrescenta, comentando sobre o frontman que seguiria lançando voos altos depois — simplesmente Ney Matogrosso.
Apesar da separação que já dura décadas, Conrad diz que este é o ano do Secos e Molhados. Um pouco por causa do filme Homem com H. O longa sobre o astro colocou novamente a banda em evidência. E também porque vem novidade boa: um documentário em quatro episódios está sendo preparado, com direito a música inédita.
Entre Amigos
É desse novo fôlego que nasce o espetáculo “Entre Amigos”, que estreia nesta quarta (20) e quinta-feira (21), às 21h, no Teatro Guairinha. O show reúne composições inéditas e releituras de clássicos que atravessaram décadas, como Rosa de Hiroshima, imortalizada com Vinicius de Moraes, além de músicas dos discos solo Trem Noturno (1975), Rosto Marcado (1981), Lago Azul (2017) e O Fio do Meu Destino (2020).
A banda que o acompanha é formada por músicos da cena curitibana: Cauê Flexa (baixo), Léo Carolo (bateria), Bernardo Zampieri (guitarra) e Therciano Albuquerque (piano) — que já tocou com Hermeto Pascoal e Miúcha. “No primeiro ensaio, senti como se conhecesse cada um há muito tempo. Foi quando disse: me sinto entre amigos com vocês. E esse virou o nome do espetáculo”, explica.
Entrevistador: Podemos dizer que você está fazendo um retorno?
Gerson: Não exatamente um retorno, porque, como eu costumo explicar, apesar de não estar na grande mídia há alguns anos, eu nunca parei. Desde que acabou o Secos e Molhados, em 1974, eu venho, ano a ano, sempre presente, fazendo shows e tal. O que houve foi um descuido, não só meu, mas da própria mídia, da imprensa, que começaram a dar menos importância ao meu espaço, ao meu trabalho. Mas estou atuante há 50 anos.
E o que você está preparando para esse ensaio de hoje (conferimos um ensaio para convidados do músico) e para os shows no Guairinha?
Gerson Conrad: Antes de apresentar esse trabalho ao grande público aqui em Curitiba, a ideia foi convidar pessoas da imprensa e influenciadores digitais para testar o trabalho que estou propondo. O show se chama “Entre Amigos” por um motivo simples: quando montei essa formação aqui em Curitiba, senti, já no primeiro ensaio, como se conhecesse cada um deles há muito tempo. Rolou uma química. Então, naquele dia, eu disse: “cara, me sinto entre amigos com vocês”. Resolvi dar esse nome ao show e até compus uma música chamada “Entre Amigos”, que abre o espetáculo.
E o repertório, será autoral e também com músicas do Secos e Molhados?
Gerson: Sim, totalmente autoral. Eu só faço trabalho autoral. Eu também faço uma releitura de alguns sucessos do Secos e Molhados. Mas não são os arranjos originais, porque, como costumo dizer, é chato fazer cover de você mesmo.
O Secos e Molhados nunca perdeu relevância, e agora está em evidência novamente, com o filme sobre o Ney Matogrosso
Gerson: Este é o ano do Secos e Molhados. Além do filme do Ney, estreia agora em setembro um documentário de quatro episódios sobre a história do Secos e Molhados, que será exibido pela Globoplay ou pelo Canal Brasil. Eu participo, o Ney também, assim como os músicos da época.
Será que um dia veremos um reencontro?
Gerson: Acho meio utopia. O João Ricardo é uma pessoa muito difícil de trabalhar. Talvez, há uns anos, o próprio Ney diria “não” a essa possibilidade, mas hoje acho que ele até reconsideraria. O problema é que, se houver um revival, a gente sabe que não vai ficar em uma única apresentação. O povo vai querer mais, e aí você entra num looping do qual não sai mais.
O que te trouxe a Curitiba? Por que escolheu a cidade?
Gerson: Eu não escolhi Curitiba, foi uma história muito louca. Estou casado com a Gisele, minha companheira, com quem namorei dois anos antes do Secos e Molhados, quando éramos jovenzinhos. Mas a família dela se mudou para Curitiba e está aqui há mais de 50 anos. Ficamos 50 anos sem contato. Eu fazia direção musical antes da banda. Durante a pandemia, um rapaz que conheci na época do teatro me procurou e perguntou sobre a Gisele. Eu não sabia dela há décadas, mas ele sugeriu procurar no Facebook. Acabei encontrando o número dela, mandei mensagem, e retomamos o contato. Ela me convidou para vir a Curitiba, mas eu tinha um show em Porto Alegre. Quando cheguei ao hotel em Porto Alegre, ela estava no saguão me esperando. Foi um reencontro e uma história de amor.
E como está sendo viver em Curitiba?
Gerson: No começo, estranhei muito Curitiba, principalmente por ser acostumado com o ritmo insano de São Paulo, onde nada fecha. Aqui, os horários são diferentes, tudo fecha cedo. Mas agora estou mais calmo, acostumado com o ritmo da cidade. Está me dando uma qualidade de vida melhor que São Paulo. Para mim, que saí de São Paulo muito tarde, acho que Curitiba tem um espírito de cidade do interior que eu sempre fugi. Mas a vida me trouxe para cá, e hoje estou mais tranquilo. Ainda acho engraçado como aqui tudo fecha cedo, enquanto em São Paulo você pode jantar às três da manhã como se fosse sete da noite. No começo me incomodava, porque se queria jantar depois de um teatro, por exemplo, eram poucas opções. Mas estou me adaptando.
São Paulo é uma cidade insana. Uma cidade que nao dorme, nada fecha. Quando eu vim pra cá estranhei um pouco.
Entrevistador: Quais são seus planos daqui para frente? Pretende viajar pelo Brasil com o show?
Gerson: Sim, esse é o propósito. Estamos começando por Curitiba para dar o pontapé inicial. Também pensamos em gravar um disco, mas sem tanta urgência. O show tem um repertório cheio de músicas inéditas, cerca de 30 a 40% do espetáculo, além de releituras de sucessos e músicas lançadas nos meus discos ao longo dos últimos 50 anos.