De métier a observador

COLUNA I NUESTRA AMERICA: Hoje há dezenas, centenas de João Carlos I, com ira perguntando ao povo da Venezuela, “Por que não te calas?”.

Por Dr Rosinha – Médico aposentado e ex-deputado federal (PT)

O Pedro Carrano, depois de tantos outros convites, mais uma vez me provocou a fazer uma coluna, agora sobre um tema específico, a América Latina.

Bem, aqui estou.

São tantas as questões para escrever que me pergunto: por onde e como, começar?

Confesso: terei dificuldades em abordar a complexa conjuntura latino-americana.

Se antes, participando da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e Parlamentar do Mercosul, e posteriormente ocupando o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul, a política internacional fazia parte do meu métier, agora sou apenar um observador. E observador escreve somente sobre o que interpreta, e não o que vive e debate no cotidiano.

Sentado na frente do computador olho no vazio em frente – maneira de dizer, pois estou diante de uma prateleira de livros –, na busca de por onde começar. Neste “vazio”, há inúmeros títulos sobre a América Latina. Levanto e vou até os livros.

Passados alguns minutos volto a cadeira e sento-me com alguns e coloco ao lado do computador, entre eles, As Veias Abertas da América Latina, Eduardo Galeano, 10 ª edição publicado pela Paz e Terra, em 1980.

Abro o livro, “…Temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez…” – frase retirada da proclamação insurrecional da Junta Tuitiva na cidade de La Paz, em 16 de julho de 1809.

Nesta data ocorreu a primeira insurgência contra o domínio espanhol, a Revolução de La Paz, e nomeada uma junta, a Junta Tuitiva, tornando-se o primeiro governo livre na América do Sul. Logo afogado e calado em sangue.

Mais de 200 anos depois da frase, ainda se pede silêncio ou manda, com dedo em riste ou a mão em punho, ou arma na mão, calar a boca.

Lembro que na XVII Conferência Ibero-Americana, no final de 2007, na cidade de Santiago, Chile (na Nuestra América) para a alegria dos colonizadores e de seus servientes, o rei João Carlos I da Espanha, disse em tom de pergunta, ira e ameaça, ao então presidente da Venezuela, Hugo Chávez: “Por que não te calas?”

Frase recebida com júbilo pela imprensa servil e pelos servientes dos colonizadores, sejam eles europeus ou estadunidenses, ou qualquer outro que se apresente.

Chávez morreu como um herói para a maioria do povo venezuelano e para muitos das Américas. O tal do rei teve que renunciar ao trono após se envolver em corrupção e tantas outras falcatruas.

Mas, tem alguns latino americanos que não só aceitam o cala a boca, como gostam de beijar as mãos dos que mandam calar a boca.

Na Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (EuroLat), uma instituição parlamentar formada em junho de 1999, composta por 150 membros, 75 do Parlamento Europeu e 75 da composição latino americano – em Cádiz, Espanha, entre os dias 8 a 10 de novembro de 2012, estava presente a Sua Alteza Real Príncipe de Astúrias. Era assim que era chamado o então sucessor do trono de Espanha, o hoje rei Felipe VI.

Nesta Assembleia, como em todas, estava programado um intervalo de 30 minutos, neste dia especificamente, assim entendi, para um beija mão da Sua Alteza Real Príncipe de Astúrias. Claro, não fui para a foto.

Preferi visitar a exposição de Cornelis Zitman, que ocorria no mesmo prédio.

Abro um parêntesis: assim que entrei na exposição fui tomado de uma sensação estranha e, ao mesmo tempo, de admiração. Admiração que me levou a perguntar: como pode alguém ter a capacidade de imaginar e da imaginação construir? Não a construção de uma cova, de um muro, de uma faca ou de uma máquina. É o imaginar, ver, humanizar e construir. Vê a tristeza e constrói-a. Vê a dor e a reproduz. Vê a pobreza e retrata-a. Imagina a sensualidade e constrói o sensual e o erótico.

Fecho o parêntese.

Retomo o tema e relembro, 2019, na Bolívia. Evo Morales, que tirou milhões de bolivianos e bolivianas da pobreza venceu as eleições, mas veio o braço do colonizador, todo vestido de Tio Sam, e em nome da OEA, declara que houve fraude nas eleições. Novamente toda a imprensa serviente, em coro com os servientes, mandam Evo calar a boca. Como não calou, foi golpeado.

Mais tarde a OEA reconheceu que “houve um erro de avaliação”, mas aí já era tarde e o resultado todos conhecemos.

Hoje há dezenas, centenas de João Carlos I, com ira perguntando ao povo da Venezuela, “Por que não te calas?”.

Uma resposta

  1. Quão Sabedoria Sensibilidade humanidade tem Doutor Rosinha! Dizer o quê? Doutor Rosinha de Tudo Sabe. eu um pequenino aprendiz digo: Parabéns ao Pedro Carrano por ter conseguido nos presentear Com Mestre Doutor Rosinha por tudo representa a Sapiência Cultural Política Econômica Social – Doutor Rosinha é ISTO e muito mais… Meu Profinco Respeito e mui Consideração ao Mestre Doutor Rosinha: (fale e não te cales Doutor Rosinha) ! Luiz Paulo.

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