Casa Izabel traz deboche primoroso sobre a Ditadura para abertura do Olhar de Cinema

Militares reprimidos se refugiam em uma casa num sítio para adotar personalidades femininas. Longe dos olhos da Ditadura, assumem nomes de mulheres, põem sutiã, vestem vestidos e perucas. Aqui eles não são coronéis, mas divas do rádio, escritoras e até primeira-dama.

Foto/ Eduardo Matysiak

“Casa Izabel” é um deboche com a Ditadura que precisava no cinema brasileiro. Mas mais que um recorte histórico, o filme, que abriu o festival Olhar de Cinema nesta quarta-feira, dia 14, é uma obra completa, com os melhores elementos do cinema.

Em “Casa Izabel” temos um filme sobre a Ditadura e seu contexto social em que não aparece sequer um militar fardado. Um verdadeiro primor.

Caprichosamente dirigido por Gil Baroni, o longa mescla drama e comédia, suspense e ação. Na parte técnica, apresenta fotografia e edição exuberantes e uma trilha sonora escolhida a dedo.

Em “Casa Izabel” , os atores brilham e, quando isso aconteça, a obra ganha vida. Luis Melo mostra mais uma vez que é um monstro do cinema brasileiro. Além dele, outras atuações chamam atenção, como Jorge Neto, Sidy Correa e o curitibano Andrei Moscheto, do grupo de teatro Antropofocus.

Com roteiro de Luiz Bertazzo muito bem elaborado, “Casa Izabel” não acaba nos créditos. Continua reverberando e suscitando questões: quem eram, afinal, aquelas pessoas? Como foram parar ali e descobriram o local? Como são suas vidas fora dali? Como surgiu a Casa? Uma obra não precisa responder tudo e deixar mistérios no ar é parte do ofício.

O filme também tem contrastes. Se há pessoas que buscam a Casa Izabel para, de alguma forma, se libertarem, para as pessoas que moram lá o local é uma prisão da qual querem fugir. Outro contraste aparece ao mostrar o fim da vida e o alvorecer da juventude. A personagem de Izabel, interpretado por Luis Melo, está em seus últimos momentos, com um amargor que não permite ter paciência com sonhos próprios da juventude, aqui vividos pelo seu sobrinho, a quem trata mal. Em dado momento, fala para ele: “Sai de perto que esse cheiro de juventude me enoja”.

Luis Melo interpreta personagem no fim da vida. Crédito: Divulgação

O contraste também está na maquiagem, nos figurinos, nas cores e na cena do copo de leite caindo no chão e se misturando com sangue, em uma passagem que tem um ar tarantinesco. E na bela cena da banheira com pétalas de rosa, que lembra “Beleza Americana”.

Mais que um filme sobre Ditadura, Casa Isabel é uma história sobre pessoas, afetadas pelo contexto de uma época, e também um mergulho no universo crossdressing. Mas também é um grande exercício de cinema. São muitas as referências trazidas por Baroni.

A história se passa praticamente toda em único lugar, a Casa Izabel, onde coisas estranhas acontecem, na onda dos suspenses da moda – como “O Chef” – e de clássicos como “O Iluminado”.

Em tempos tumultuados politicamente em que temos de cuidar com cada passo para não pisar em falso, é sempre importante revisitar o passado. E melhor ainda é usar o humor como instrumento, sem ser panfletário.

Filmes que abordam a Ditadura no Brasil há muitos, mas certamente a irreverência trazida por Casa Izabel é uma excelente novidade. E é uma satisfação o filme ser uma produção curitibana.

Cidade dos festivais

Cabe destacar, ainda, a acertada a escolha do festival em fazer a abertura na Ópera de Arame, um cartão postal e palco sagrado das artes em Curitiba, o que propiciou um encontro de uma multidão que jamais seria possível em uma sala de cinema. Se há perdas na questão técnica – o som, principalmente – os ganhos em termos de amplitude do evento e congraçamento das pessoas certamente compensa.

A Ópera de Arame lotada mostra a força de Curitiba em festivais de artes, com um calendário movimentado e eventos sólidos, como o Festival de Curitiba.

Olhar de Cinema

O festival segue até 22 de junho, ocupando as salas de cinema da cidade. As atrações serão exibidas no Cine Passeio e no Cineplex do Shopping Novo Batel, com produções de todo o mundo, assim como no Cine Teatro da Vila, no CIC, e na Ópera de Arame

No total, são 87 filmes, entre curtas e longas-metragens, que fazem parte das 10 mostras do evento, sendo a Mostra Competitiva Brasileira, a Mostra Competitiva Internacional, a Mirada Paranaense, a Mostra Foco, a Mostra Olhar Retrospectivo, Mostra Pequenos Olhares, a Mostra Novos Olhares, Filme de Abertura, Filme de Encerramento e Exibições Especiais.

Colaborou Eduardo Matysiak

Serviço:
12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba
Data
: 14 a 22 de junho de 2023
Ingressos pelo site oficialwww.olhardecinema.com.br
Produção: Grafo Audiovisual
Patrocínio: Itaú, Uninter, Peróxidos do Brasil e Sanepar
Realização: Ministério da Cultura – Governo Federal – Brasil União e Reconstrução; Projeto realizado com o apoio do programa de apoio e incentivo à cultura – Fundação Cultural de Curitiba e da Prefeitura Municipal de Curitiba.

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