A maratona diária dos entregadores de Apps

Além da remuneração baixa, entregadores enfrentam os riscos do trânsito e de assaltos. Outras dificuldades são a fadiga física e as intempéries do tempo . Alguns, chegam a percorrer 100 quilômetros por dia. Neste sábado, houve protestos por melhores condições de trabalho. REPORTAGEM EM TEXTO, FOTOS E VÍDEO

Esforço grande, distâncias longas, recompensa baixa. Eis a rotina dos entregadores de aplicativo. Fotos Eduardo Matysiak

Josi, o Portuga, não teve a sorte – da qual tanto precisa – a seu favor na última sexta-feira, dia 24, em Curitiba. Ele teve sua bicicleta e celular roubados, junto com a bag que usa para armazenar pedidos. Um risco iminente a que estão submetidos diariamente os entregadores de aplicativos e que, para Portuga, resultou num pesaroso prejuízo. Poderia ter sido pior

O entregador diz que, por ser final de semana, ainda não conseguiu confeccionar boletim de ocorrência, exigência para acionar o seguro oferecido pelo aplicativo, que cobre, segundo ele, apenas uma porcentagem do dano. “Trabalhar pelo aplicativo é risco. Você trabalha para ganhar dinheiro, mas pode ser assaltado”. Portuga explica que o interesse dos assaltantes, além do valor dos objetos em si, é para utilizá-los como camuflagem em novos assaltos, se passando por falsos entregadores.

Portuga diz que chega a fazer 100 quilômetros por dia sobre sua bicicleta, percorridos das 8h às 22h, muitas vezes sem parar para refeições.  O período noturno é o mais arriscado, conforme relata. “Das 18h às 22h, principalmente. Ganhar uma taxa de R$ 5 para levar um tiro ou uma facada? Então minha vida teria valido R$ 5″.

Por causa de situações como essas, neste sábado (25/07), em várias regiões do Brasil, entregadores promoveram protesto chamado de Breque dos Apps. Em Curitiba, o movimento foi organizado por Lujaye Santos, 39, reunindo profissionais na praça Eufrásio Correia. “Estamos em busca de melhores condições para os entregadores. Nossa pauta é o fim dos bloqueios injustos e aumento das taxas mínimas. Às vezes, o cliente acaba cancelando o pedido e aplicativo não quer saber e te bloqueia”. De acordo com ele, a rotina dos entregadores tem vários riscos, como de acidentes e assaltos.

“Cada dia é um risco que a gente corre, como ser contaminado pela Covid”.

Lujaye, que afirma ser antifascista, começa de manhã e termina somente à noite. Até o fim do dia, terão sido 40 quilômetros pedalados. Resultado: “Tiro R$ 16, na média. No máximo, R$ 30 por dia”. Atualmente, ele conta que tem atendido cerca de 4 pedido por dia. O número é baixo pois há muitos entregadores na rua. “Aumenta o lucro dos restaurantes e dos aplicativos, mas para o entregador dificulta, pois tem mais concorrência”.

Lujaye: Estamos em busca de melhores condições de trabalho. Foto: Eduardo Matysiak

Cristiane Oliveira, 37, faz entregas por aplicativo utilizando bicicleta há cerca de um ano. “Com essa pandemia, estou fazendo cerca de 10 entregas por dia e percorro 40 quilômetros. Fiz há pouco uma entrega que deu 5 km”.

Como no caso dos demais colegas, a rotina dela se inicia cedo e termina à noite. “Quando dá tempo de almoçar, a gente almoça e, quando não dá, só trabalha”. Segundo ela, por todas as condições desfavoráveis que enfrentam, os entregadores deveriam ser mais valorizados, com melhores valores pela corrida. “Para R$ 5 km você ganha R$ 5 reais, é muito pouco e bastante corrido”.

“Para R$ 5 km você ganha R$ 5 reais, é muito pouco e bastante corrido”.

Quando não estão no trecho, os entregadores passam o tempo em praças, aguardando novos chamados. Alimentam-se de marmitas ou bolachas. O pico de entregas ocorre ao meio-dia e após às 19h. Nesse meio tempo, são horas ociosas.

A forma de remuneração varia de aplicativo para aplicativo. Normalmente, aplicam-se taxas sobre o frete. Não há vinculo empregatício. “Os aplicativos tem que começar a nos valorizar mais. Eu ando 5 km por R$ 5 reais. Acho que isso é muito pouco. No final da entrega, pode te acontecer uma fatalidade. É muito arriscado”, finaliza Portuga.

Galeria de fotos: Eduardo Matysiak


levantamento obtido pela BBC News Brasil, feito por um grupo de pesquisadores em quatro Estados brasileiros, indica que os entregadores por aplicativos disseram que, apesar de terem trabalhado mais durante a pandemia, tiveram uma “redução significativa” do salário.
A pesquisa feita pela Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir Trabalho) ouviu 252 pessoas de 26 cidades entre os dias 13 e 20 de abril por meio de um questionário online.
Entre os entrevistados, 60,3% relataram uma queda na remuneração, comparando o período de pandemia ao momento anterior. Outros 27,6% disseram que os ganhos se mantiveram e apenas 10,3% disseram que estão ganhando mais dinheiro durante a quarentena.
Os autores da pesquisa disseram ter buscado a maior aleatoriedade possível entre os entrevistados por meio da distribuição do questionário “em diversas comunidades online que congregam diferentes perfis de trabalhadores”. Entre elas, estão grupos de entregadores do Facebook e WhatsApp.

Texto: Guilherme Bittar / Fotos: Eduardo Matysiak

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