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Aos 92 anos, o artilheiro Osvaldo não pensa em pendurar as chuteiras

Guilherme Bittar

É começo da tarde e faz frio em Curitiba. Os termômetros marcam 5°C. Parece um daqueles dias que muitos optariam por ficar em casa, com uma boa coberta na cama, se pudessem escolher. Mas, apesar do mau tempo, aos poucos a sede da AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) começa a se encher de aposentados para a pelada do dia. Futebol para eles é coisa séria. A definição dos times é feita por sorteio, uma vez que são cerca de 150 jogadores. Com passos lentos e arrastando um pouco a perna devido a um problema crônico no joelho, chega o grande astro do grupo. No auge de seus 92 anos, é um dia especial para o artilheiro Osvaldo Admar Pereira, que entrará para a calçada da fama do clube.

Osvaldo, a lenda

A idade não é obstáculo para Osvaldo. Ele é o jogador mais assíduo do grupo de aposentados. Reclama quando algum companheiro falta à pelada. Se o motivo é chuva, fica irritado (“vocês não são de açúcar”). Atacante oportunista, cada vez que balança as redes vibra como se fosse a conquista de um campeonato.

Na última sexta-feira, dia 19 de agosto, Osvaldo comemorou o aniversário dele junto aos companheiros de time, fazendo o que mais gosta: jogando bola e marcando gol, o de número 1.283 – marca devidamente anotada em sua caderneta pessoal e que ele se orgulha por ser igual a de Pelé. “Contabilizo cada gol”, afirma Osvaldo.

Como chegar aos 92 anos não é para qualquer um – muito menos jogando bola -, o feito rendeu uma homenagem dos colegas de time: os pés de Osvaldo foram gravados na “calçada da fama” do clube. “Foi emocionante. Nunca esperava uma coisa dessas. E assim vai a vida”.

Entrou para a calçada da fama do clube

Trata-se de um fato inédito, digno de Guinness Book e que merecia ser eternizado, conforme Sergio Chiochetta, um dos fundadores do grupo de peladeiros. “Aqui no clube, certamente, não terá outro que consiga chegar a essa marca”, prevê.

Osvaldo talvez seja o jogador mais velho em atividade nos campos de pelada do país. E não perde um jogo. É figurinha marcada nas partidas de terças e sextas-feiras. Locomove-se 10 km de onde mora, perto do Parque Barigui, até a sede do clube. Faz o trajeto de ônibus, carona ou dirigindo o próprio carro.

“O futebol é uma maravilha. É isso que me dá vida. Graças a Deus nunca me machuquei forte e sempre joguei”.

Osvaldo impressiona já no vestiário, com a facilidade que demonstra ao vestir e amarrar as chuteiras. Alguns companheiros bem mais novos já não têm a mesma destreza. “A melhor coisa da vida é viver com saúde. Graças a Deus, não tenho problema nenhum. Só de tiroide”, orgulha-se Osvaldo.

O companheiro de time José Moacir Favetti diz que o atleta sênior é um exemplo de que não se deve deixar tomar pelo desânimo. “Quando estou no vestiário me queixando dos meus setenta e poucos anos e olho do lado o ‘véio’ botando a chuteira, isso serve como motivação”.

Viúvo há cinco 5 anos, o futebol segue sendo uma das principais alegrias para Osvaldo. “Futebol é vida. Ficar só em casa não é fácil. Aproveito a vida jogando o futebol de terça e sexta-feira”.

Aposentado dos Correios desde o final da década de 1970, Osvaldo nasceu em Jaraguá do Sul-SC, mudou-se jovem para Joinville-SC, depois para o Rio de Janeiro e, por fim, para, Curitiba, em 1953. É torcedor do América – segundo ele, o melhor time da década de 1950. Em relação ao futebol paranaense, revela preferência pelo Coritiba, mas diz simpatizar com os três integrantes do Trio de Ferro – além do Coxa, o Paraná e o Athletico. “Torço para o Coritiba e para os outros estarem bem e podermos assistir a jogos bons”.

Com tanta experiência de vida, Osvaldo sabe das coisas e tem seus segredos. É o “curandeiro” do time, sempre com fórmulas para combater pequenas lesões. “Ele tem fórmulas milagrosas para distensão e outros machucados. Normalmente, funciona”, revela Daniel Liberato, presidente do grupo de peladeiros. Para manter a vitalidade, Osvaldo não abre mão de sua cachacinha – a qual bebe moderadamente ao final do jogo, harmonizando com uma cerveja Antártica.

A prática do futebol é apoiada pela família. “Eu incentivo, pois sei que ele respeita o limite dele. E, com esse compromisso, ele está em contato com os amigos. Isto é muito importante”, afirma o filho Jorge Luiz Pereira, de 67 anos.

E no campo?


No campo, Osvaldo é um atacante oportunista, que se posiciona bem e surpreende o adversário. Não é à toa que tem mais de mil gols. “Ele se coloca muito bem nos lugares certos e está sempre lá na hora de conferir. Por isso, faz muitos gols”, diz Sergio. “Um grande atleta, um centroavante nato”, acrescenta Nelson Antero, responsável pela lanchonete do clube. “O tempo de bola é perfeito. Quando passam para ele, num toque ele pensa muito rápido e faz o gol”, completa Liberato.

Osvaldo pronto para o combate

Entre os companheiros do time, ele é unanimidade não só pelo futebol, mas pela liderança positiva que exerce. “Ele é uma figuraça. Um cara fantástico”, afirma Sergio. “É uma pessoa maravilhosa, agradável, alegre, participa de tudo, sempre com motivação, mesmo com o tempo ruim. Ele anima o grupo e conta histórias maravilhosas”, completa Antonio Carlos Pizatto, também integrante do grupo de aposentados.

O presidente da AABB, João Augusto Antero, afirma que Osvaldo é um sinal de esperança. “Para nós, o desafio é tentar chegar nessa idade jogando o que o que ele tem jogado”.

Grupo de peladeiros reunido antes da partida.

Aos 92 anos, são muitos os motivos para comemorar. Ao final da pelada, após os pés já gravados na calçada da fama, o grupo de aposentados se reuniu para gritar um uníssono: “Parabéns, Osvaldo!”. Emocionado, Osvaldo agradeceu. Mas disse que quer mais. Pretende continuar fazendo gols “até quando Deus permitir”.

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*Publicado originalmente no Portal O Lance

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