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Tragédia Yanomami foi genocídio e tem executores, cúmplices e mandante

O massacre imposto aos Yanomami não é obra do acaso, mas fruto de ação coordenada do governo anterior, seguindo cartilha do presidente deposto pelas urnas Jair Bolsonaro que, há de mais de 30 anos, iniciou o planejamento da tragédia que viria a se concretizar entre 2018 e 2022. Foi genocídio. Bolsonaro é genocida e, inevitavelmente, será condenado em tribunais internacionais, junto com a sua aliada que veste rosa mas tem as mãos vermelhas de sangue indígena, a ex-ministra Damares, e demais asseclas – incluindo garimpeiros.

É um crime hediondo — e odiento — que dizimou parcela de um povo que – desnutrido, doente, sem forças, sem armas, com seu habitat destruído – não tinha qualquer condição de lutar por conta própria contra diferentes forças, entre as quais o próprio poder público que deveria protegê-lo e não ser seu algoz.

Uma das imagens que chocaram o mundo mostra o estado de desnutrição a que chegou o povo Yanomami

Antes de chegarmos à criminalização de Bolsonaro e quadrilha, no entanto, é imprescindível apontar o dedo e a culpa para outro ator político igualmente nefasto: poderíamos dizer o Bolsonarismo, contudo, o termo soa muito impessoal, de modo que optaremos por bolsonaristas.

Bolsonaristas são cúmplices

Bolsonaro nunca escondeu o ódio a minorias e os indígenas foram alvos constantes de sua fúria muito antes de ele se tornar presidente. É o ódio daqueles que não compartilham dos mesmos valores e culturas. Só que é também ganância – o desejo de ganhar dinheiro ou poder custe o que custar.

Existe um sentimento anti-índigena ainda forte no Brasil, relatado em clássicos como Macunaíma, de Mario de Andrade. Algumas pessoas se agarram em preconceitos e os veem como preguiçosos — estereótipo que foi sendo criado ao longo das décadas por um pensamento colonialista. Para alguns, os índios são imprestáveis, simplesmente porque não estão inseridos na lógica do capital e não se preocupam em acumular riquezas ou praticar a mais-valia – e ainda assim, e talvez seja o que gere mais revolta, são capazes de sobreviver em harmonia com a natureza, desde que não tenham seu espaço gravemente violado, como aconteceu com os Yanomami.

Um pária como Bolsonaro caminha fácil nesse sentimento inicial de rejeição, a partir disso cria um inimigo e logo tem uma horda de extremistas como base de apoio. A aliança de Bolsonaro com os garimpeiros tem duas motivações: o desejo de exterminar índios e a sede pelo poder. O garimpo se tornaria um aliado que jogaria fora das quatro linhas (para usar um termo tão repetido pelo boçal Bolsonaro) com a anuência do então presidente, com armas e todos as ferramentas das quais se utiliza o crime, solidificando-se, assim, como mais uma das milícias paramilitares do político carioca.

As tias do zap sabiam e fizeram pouco caso

Antes de se tornar presidente, foram inúmeros os discursos violentos de Bolsonaro marcados um bom tanto pela perversidade, um outro tanto pela ignorância. Quase todos são de conhecimento público. Boa parte deles foi mandado por um sobrinho incrédulo a uma tia do zap, na tentativa de demovê-la de votar em um crápula. De nada adiantou. Durante o exercício do mandato de Bolsonaro, as coisas só pioraram. Vimos a expansão do garimpo ilegal (com anuência e incentivo do governo, como veremos abaixo), o desmantelamento da FUNAI (o que ficou evidente em casos midiáticos como os assassinatos do indigenista Bruno e do jornalista Dom Philips), o crescimento das taxas de desmatamento e de matança dos índios.

Tudo isso foi mostrado pelas TVs, por sites, compartilhado nas redes sociais das pessoas com sensatez e, novamente, enviado nos grupos da família ou no privado da tia do zap. Novamente, em vão. Como que por pilhéria, por descaso, algum ressentimento grave de origem controversa, ou por pura falta de humanidade ela foi lá e novamente votou no genocida. E votou nele apesar do massacre dos povos originários. Votou nele apesar dos milhares de mortos na pandemia que poderiam ser salvos com medidas eficazes e antecipação da vacinação. Votou nele apesar da inflação na jugular das famílias brasileiras. Votou nele apesar do desmonte da cultura, que é um dos principais patrimônios brasileiros. Votou nele apesar de entrega das empresas públicas brasileiras ao capital estrangeiro. Votou nele apesar do tensionamento diário com qualquer força contrária. Votou nele apesar de tudo, tendo uma resposta cretina ancorada em sabidamente fake news para cada um dos desses apesares. E o pior: se fosse hoje, possivelmente votaria nele de novo.

A responsabilidade de Bolsonaro

Isso posto, voltemos a responsabilidade do presidente que não só viu de camarote a tragédia acontecer, como foi o grande arquiteto do massacre. Primeiro, comecemos com uma pergunta: quantas vezes Bolsonaro visitou os Yanomami ou algum povo originário? Certamente, menos vezes do que esteve com garimpeiros ou em motociatas.

Em entrevista à Globo News, o advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade Fluminense, Gustavo Sampaio, explanou juridicamente como o caso pode se enquadrar como genocídio.

“Aplica-se, nesse caso, a hipótese de crime de genocídio. São cenas lamentáveis e que envergonham os brasileiros. Temos lei autônoma para tratar do genocídio no Brasil, que se dá pela intenção de exterminar ou aniquilar determinado povo ou etnia. Pode-se indagar se existe dolo de aniquilar os Yanomami. Eu entendo que sim. É um dolo direto de segundo grau. No lugar daquela intenção preliminar direta de aniquilar, os meios empregados para determinados fins são sabidamente meios que, embora não se destinem a exterminar o povo, levaram aquele povo ao seu extermínio ou redução abrupta. E nos últimos quatro anos do governo que terminou, as práticas e discursos no sentindo de expandir o garimpo, associado a eliminação de equipamentos de saúde e distribuição de fármacos para aquele povo, junto com o depósito do mercúrio [fruto do garimpo], comprometem a sobrevivência do povo”.

Gustavo sampaio, advogado, professor e especialista em direito constitucional

O Território Yanomami é a maior reserva indígena do país, com cerca de 30 mil indígenas. Nos últimos 4 anos, 570 crianças Yanomami com menos de 5 anos morreram por causas evitáveis— um aumento de 29%. Em relação aos casos de malária, o cenário também é bem alarmante: os dados saltaram de 2.928, em 2014, para 20.394, em 2021. Nos primeiros cinco meses de 2022, 46 crianças com menos de 5 anos tinham morrido.

Foram quase 44 mil casos de malária apenas nos últimos dois anos. Em contrapartida, o número de garimpeiros na região passou dos 20 mil no ano passado, quase o tamanho da população de originários no local.

O garimpo ilegal atingiu níveis inéditos de crescimento nos últimos anos: explodiu 3.350% apenas entre 2016 e 2020, aponta o MapBiomas. A situação tende a ter se agravado de lá para cá. Relatório de entidades socioambientais com atuação na região indica que a área total destruída pelo garimpo na terra indígena Yanomami passou de 1.200 hectares, em outubro de 2018, para 3.272 hectares, em dezembro de 2021.

No dia 26 de outubro de 2021, Bolsonaro visitou uma região de garimpo ilegal na terra indígena Raposa Serra do Sol, no município de Uiramutã, em Roraima, para manifestar apoio à atividade. Em outra ocasião, disse aos garimpeiros: “Vocês têm o direito de explorar. O meu pai garimpou por muito tempo”. O ex-presidente coibiu de todas as maneiras operações que visassem o garimpo, demitindo pessoas de cargos chave e se opondo à destruição de equipamentos usados na atividade ilegal.

Ele nunca falou uma palavra sobre a importância de preservar os povos originários.

Lula: a diferença entre um presidente e um genocida

Em apenas 20 dias no cargo, Lula tomou conhecimento do problema e fez o que Bolsonaro jamais cogitou. Primeiro, o ato de efeito simbólico: mostrar de que lado estava ao visitar a Terra Indígena: a favor dos indígenas e contra o garimpo. Depois, a ação de efeito prático: criar uma força tarefa para enfrentar os gravíssimos problemas naquela região.

Em 20 dias, Lula mostrou a diferença entre um presidente um genocida. O presidente visitou a o hospital indígena e a Casa de Apoio à Saúde Indígena em Boa Vista, capital de Roraima – Ricardo Stuckert/Palácio do Planalto

A lista de crimes

Premeditação

Bolsonaro começou a tramar o genocídio Yanomami há 30 anos. Em 19 de outubro de 1993, uma terça-feira, em Brasília, o deputado Jair Bolsonaro apresentou, na Câmara Federal, um projeto de decreto legislativo que buscava tornar sem efeito um decreto presidencial, homologado no ano anterior por Fernando Collor de Mello sob recomendação da Funai, criando a reserva Yanomami.

Quando perdeu uma das batalhas no Congresso, ele declarou, conforme registrado nos anais da Câmara.

“A Cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”.

Jair Bolsonaro, então deputado federal

Descaso

No período de 2019 a 2022, quase toda a verba destinada por Jair Bolsonaro à saúde de comunidades Yanomami foi mal aplicada, beneficiando organizações pouco eficientes, e até mesmo garimpeiros donos de empresas de transporte aéreo na região. Isso explicaria a situação de calamidade enfrentada pelo povo Yanomami, segundo reportagem do jornal O Globo publicada no dia (24). 

Segundo a publicação, dados do Portal da Transparência referentes aos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro (PL) mostram que o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve orçamento de R$ 6,13 bilhões, dos quais R$ 5,44 bilhões gastos. A entidade mais privilegiada com recursos foi uma ONG evangélica, a Missão Caiuá, cujo slogan é “estar a serviço do índio para a glória de Deus”. Ao longo do governo foram repassados R$ 872 milhões a essa organização. o presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, disse que a ONG Cauá apenas contrata funcionários, como médicos e enfermeiros. No entanto, esses profissionais não têm entrado em Terras Indígenas em todo esse período. Em outras palavras, esse dinheiro não foi revertido em sua totalidade em prol da saúde indígena.

É tão inacreditável que Damares chegou a pedir que Jair Bolsonaro rejeitasse oferecer leitos de UTI e produtos de limpeza a indígenas porque os povos não haviam sido consultados (como se devesse consultar uma pessoa que está a beira da morte se ele aceita ser salva). Claro que Bolsonaro prontamente concordou.

Massacre anunciado

O líder indígena Junior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami, disse em entrevista ao “Estúdio i”, da GloboNews, Hekurari que foram enviados mais de 60 pedidos de auxílio ao governo Bolsonaro e todos foram ignorados. “O povo passou quatro anos sofrendo. O governo atual reconheceu essa tragédia que dura quatro anos. Muita gente, muitas crianças, morreram de malária e de desnutrição”, afirmou. “Eu denunciei, pedi apoio ao Ministério da Saúde para ações de intervenção na saúde indígena em Roraima. A gente não recebia resposta do governo.”

Não foi falta de aviso. Não foi por falta de motivação. Bolsonaro é o responsável pelo genocídio do povo Yanomami. Damares é uma das executores. E quem votou no ex-presidente, muitos dos quais continuaria votando, é cúmplice de um dos crimes mais lamentáveis da história brasileira.

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