“Está ficando difícil explicar por que não reduz a taxa de juros”. A declaração é da colunista de economia da Globo, Mirian Leitão, que não é propriamente uma analista à esquerda.
Não tem explicação nem para Mirian, nem para a indústria, nem para o comércio, nem para milhões de brasileiros mais uma vez impactados com o que parece ser um boicote do Banco Central ao país.
É no mínimo duvidosa a postura do BC presidido por Roberto Campos Neto, aquele que fazia parte do grupo no WhatsApp de ministros de Jair Bolsonaro. Não há explicação técnica plausível e não há contorcionismo no discurso que consiga justificar.
Como desculpa para manter os juros mais altos do mundo, o Copom costuma falar em “questões técnicas”. Uma artimanha relativamente fácil. Afinal, como o brasileiro comum pode se opor a “questões técnicas” se não tem formação em economia?
Utilizando-se dessa premissa e jogando na neblina, o Banco Central pratica uma atrocidade à economia brasileira que, apesar dessa gente, tenta se reerguer, com indicadores que mostram queda na inflação e uma política fiscal do governo que dão margem de sobra para diminuição da taxa Selic. Mas, agora, nem políticos e analistas com viés de direita engolem as justificativas do Copom.
O pior é que Campos Neto e sua equipe podem fazer o que bem quiserem e agirem conforme sabe-se lá que interesses, pois, durante o governo Bolsonaro, foi instituída a famigerada autonomia do Banco Central. Uma vez lá, esses deuses iluminados e intocáveis regem conforme bem entenderem a política monetária do país com suas batutas pútridas.
Não há o que o governo possa fazer. O tal mercado endossa a autonomia do Banco Central, porque as pessoas que estão lá fazem o jogo do mercado financeiro e dos rentistas. Com os juros altos, lucram os bancos e investidores em cima do sangue de trabalhadores endividados e pequenos comerciantes acossados pela falta de crédito para si e para os clientes.
Nesta quinta-feira, Lula jogou, acertadamente, a batata quente nas mãos dos senadores. Ele declarou: “Tenho cobrado dos senadores. Foram os senadores que colocaram esse cidadão lá. Então os senadores têm que analisar se ele está cumprindo aquilo que foi aprovado para ele cumprir. Na lei que está aprovada, ele tem que cuidar da inflação, do crescimento econômico e da geração de empregos. Então ele tem que ser cobrado. É só isso.”
Para a questão se tem há muito tempo a resposta: Campos Neto não cumpre a sua função; talvez, cumpra perante o capitão que o indicou ao cargo e, para quem, pode não interessar a prosperidade do país porque fortalece seu oponente. No entanto, resta pouca esperança de que o Senado tome providências.
Em uma das comédias francesas mais importantes, “O Tartufo”, de Molière, temos uma aristocracia e burguesia ascendente em luta por manter seus privilégios. A obra simboliza essa bem comportada estrutura que, para o seu único e exclusivo proveito, é capaz de mentir, roubar, fraudar e especular. Tartufo é um religioso que ludibria quase todos supostamente em nome de Deus.
Tartufo virou termo no dicionário e significa “indivíduo hipócrita”, “beato enganador”. O diretor Bruce Gomlevsky trouxe “O Tartufo” para os tempos atuais, em peça que ainda está em cartaz e merece ser assistida, e levou a obra ao extremo denunciando os tartufos da atualidade: no nosso entendimento, os hipócritas religiosos, políticos coronéis, juízes que usam a toga para fazer política, os negacionistas, alguns capitães. Cabe muita gente e, colocamos por nossa conta e risco nessa lista, Campos Neto: um tartufo que age em nome do Deus capitalista, o dinheiro, um sacerdote do mercado. Um charlatão.
Até quando o país ficará à mercê desse tartufo?