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A seleção precisa voltar a ser brasileira

Fotos: Staff Images / CBF

Não é de hoje que a seleção brasileira anda distante do torcedor. Um bom tanto pelo futebol, uma outra parte pela política e também devido ao fato de as convocações priorizarem jogadores sem identificação com o país.

Faz mais de 20 anos do pentacapeonato. Depois disso, a melhor seleção, a de 2006 com seu quadrado mágico, fracassou na festa a portões abertos que foi Weggis, na Suécia. Mas vá lá, naquele tempo ainda tinha batuque e samba rolando no busão. Hoje, as caixas JBL gigantes carregadas nos ombros dos atletas tomaram conta.

Já em 2010, tivemos a pior versão da amarelinha sob o comando de Dunga e seus volantes brucutus. Em 2014, assistimos ao fatídico 7 a 1, mas pasmem, foi a melhor campanha brasileira desde então, chegando a semifinal – se bem que era melhor ter caído antes para evitar o vexame. O time comandado por Tite não passou das quartas nas duas copas que disputou, em 2018 e 2022, jogando um futebol burocrático e sem criatividade.

Em quase todas essas seleções, a maioria dos jogadores atuavam no exterior há muito tempo e já não tinham laços com o torcedor brasileiro. É natural que haja jogadores de fora, afinal, as ligas mais importantes estão na Europa. Mas há um exagero nas convocações olhando apenas para fora do país. Com Tite, parecia que jogador só tinha valor se estivesse na Europa. Um exemplo é o zagueiro Lucas Veríssimo, finalista da libertadores pelo Santos e que há três temporadas jogava o fino em solo brasileiro. Ele só conseguiu ser convocado quando se mudou para o Benfica, de Portugal.

O temerário Fernando Diniz segue a mesma cartilha. Faz uma renovação tímida na seleção e com olhos para fora. Levou Endrick, do Palmeiras, na última convocação porque a pressão para escolher jovens que estão despontando no Brasil era muito grande. Mas deixou vários outros talentos de fora. É o caso do Marcos Leonardo, artilheiro do Santos e em alta performance há três anos. Este sim, diferente de como o próprio Gabriel Jesus admitiu, tem a marcação de gol como seu ponto forte. É artilheiro nato, forte, tem arrancada, sabe prender a bola, fazer o pivô e chutar como a bola vem. Passou por todas as seleções de base, sendo destaque sempre. E de que valeu tudo isso? Chega a ser um desprestígio à própria CBF e suas seleções de base ter um jogador que brilha nessas categorias, joga em alta performance no profissional na liga que a entidade organiza – melhor que muitos dos convocados – e mesmo assim não é chamado. Qual é a explicação?

Voltando a Diniz, é uma contradição optar por um interino que tenta implantar um futebol que não é natural, que não tem a cara do futebol brasileiro, que demanda tempo e que, fatalmente, daqui a alguns meses será interrompido, pois tudo indica que Ancelotti ou qualquer outro com mais currículo assumirá o cargo. Que se deixasse, então, um técnico protocolar com uma missão principal: fazer testes, levar jovens, experimentar. Convenhamos que não é o caso de Diniz — o treinador que conseguiu bater todos os recordes negativos culminando com a derrota recente para a Argentina em casa — quando aposta no núcleo da panela de Tite e confia em nomes como Gabriel Jesus.

O futebol atual não agrada, porque o jogo proposto por Diniz não é o que o brasileiro enxerga como ideal para a seleção. Este seria veloz, ágil, vertical, com tabelas, transições rápidas, improviso, drible. E não troca de passes remelentas na defesa.

Nos oito anos de Tite, ganhamos tudo que pouco importava e na hora agá a nação se viu frustrada. Nas duas vezes pelo mesmo erro: apostar em jogadores que não estavam em boa fase.

Foi justamente nesse período, e nesse caso não por culpa de Tite, que a camisa da seleção foi cooptada pelo bolsonarismo e pelo patriotismo imbecil. Nossos atletas se mostraram incapazes de se posicionar politicamente mesmo em temas urgentes e nem tão difíceis assim, como na pandemia.

O torcedor que já olhava o time com desconfiança, viu na Copa passada Tite jogar fora toda a meritocracia que deve envolver uma seleção da altura da brasileira ao levar Daniel Alves e alçá-lo ao papel de grande líder. O pior veio depois. O líder da turma revelou-se um criminoso sexual. E sobre isso, Tite nem nenhum jogador da seleção falou uma palavra. Recentemente, o novato Yan Couto classificou justamente ele, o estuprador Daniel Alves, como seu ídolo durante coletiva na CBF. Esse pessoal anda mesmo fora da realidade, completamente fora.  

Muita coisa precisa mudar no futebol brasileiro e a formação educacional e cultural dos jogadores na base é uma delas. Não basta termos bons atletas, precisamos também ter bons cidadãos.

O cenário complexo ainda tem as questões políticas da CBF, mais preocupada com lucros milionários e amistosos esdrúxulos fora do país – o que mais uma vez afasta a seleção de sua torcida – que em criar verdadeiramente um time não apenas competitivo, mas que respire a amarelinha e na qual o torcedor se veja identificado.

Comer carne de ouro não ajuda neste processo de reconstrução em um país em que a maioria da torcida é pobre. As polêmicas de Neymar, um gênio em campo e ainda fundamental se quisermos algo maior, também não contribuem para criar um bom ambiente.

E agora não temos nem mais o Galvão Bueno, que dava as bordoadas devidas e fazia os jogadores, boa parte deles mimados, se sentir pelo menos constrangidos. Luis Roberto, um fenômeno e narrador da melhor qualidade, não tem esse perfil. Ele narra o jogo, mas pouco comenta, e seus comentaristas são boleiros ou com medo de se opor aos parças ou instruídos a pegar leve por questões contratuais.

Sim, até Galvão Bueno faz falta. Galvao conseguia externar a indignação da torcida, deixando muitas vezes de lado o papel de narrador para tocar a corneta (é verdade que, eventualmente, ele passava da conta). Pelo menos em algo os jogos da seleção despertavam empatia: a comunhão da revolta puxada por Galvão. Agora nem isso.

Não são poucos os torcedores que já abandonaram a seleção brasileira. Para recuperar o prestígio e o interesse o caminho é longo, mas passa, inevitavelmente, por chamar jogadores que atuam no Brasil em grandes clubes, o que desperta a curiosidade da torcida e anima os adeptos do time do jogador selecionado. Uma base europeia não tem esse poder, a não ser que sejam jogadores que se destacaram jogando no Brasil por várias temporadas, o que é muito raro. Neymar é um caso – aqui ganhou Paulistão, Copa do Brasil e Libertadores – mas qual outro?

E nesse contexto entra o fator mercado e a dificuldade dos clubes em manterem jovens jogadores. No entanto, o cenário já é um pouco melhor que há alguns e a capacidade de reter talentos é maior. Dar oportunidades para atletas atuando em solo brasileiro seria mais uma maneira de prestigiar o Campeonato Brasileiro e prolongar a permanência em clubes nacionais. Há excelentes jogadores no futebol brasileiro hoje – muitos deles melhores que as escolhas bisonhas por “craques” como Fred, em 2022, e tantos outros que logo desaparecem depois de atendidos, talvez, os interesses de seus empresários.

A CBF poderia fazer muitas ações para aproximar a seleção do torcedor além do marketing vazio, como distribuir cotas de ingressos sociais e diminuir o preço dos bilhetes, além de envolver velhos ídolos, mas para isso precisaria jogar no Brasil, o que só acontece nas Eliminatórias contra seleções boa parte das vezes fracas.

Mas, sobretudo, a seleção precisa voltar a jogar bola; precisa voltar a ser brasileira no melhor sentido.

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