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Comunidade Agroflorestal em Antonina conquista direito de assentamento definitivo de terra

Assessoria

Após anos de batalha judicial, a comunidade do MST, José Lutzenberger (PR)e, em Antonina, no litoral paranaense, conquistou o direito definitivo à terra, marco importante para a segurança jurídica das famílias que ali vivem. Foram 21 anos de reivindicação coletiva e resistência à ameaça de despejo. Agora, as 22 famílias de camponeses e agricultores familiares podem comemorar a tão esperada conquista da terra.

Depois de o Governo do Paraná declarar a área como de utilidade pública para fins de desapropriação e realizar o pagamento de indenização ao antigo proprietário, o recurso de reintegração de posse que tramitava no Tribunal de Justiça do Paraná será arquivado.

 Para o coordenador do MST no Paraná, Roberto Baggio, a disposição dos integrantes do sistema de justiça em realizar escutas mais amplas a mais sujeitos e conhecer os territórios em disputa assegura procedimentos judiciais mais atentos às realidades das comunidades. “Este modelo de mediação é importante porque mostra que é importante a busca pela solução dos conflitos quando todos sentam à mesa e, a partir disso, tentam buscar uma solução. Esperamos que esta mediação da Comunidade Lutzenberger sirva de referência a mais processos”, destaca.

Agora, como próximos passos, o Estado do Paraná, em conjunto com as famílias que vivem na área somado aos pesquisadores do PLANTEAR são da Universidade Federal do Paraná, devem avaliar os formatos jurídicos, socioeconômicos e ambientais que subsidiem o assentamento da continuidade do projeto agroflorestal de produção de alimentos saudáveis com respeito à biodiversidade da Mata Atlântica. Para Jonas Souza, produtor agroecológico e integrante da coordenação da comunidade, a comunidade tem estado muito alegre pela conquista definitiva da terra:

“Estamos muito felizes agora com esse reconhecimento de que a área se torna uma área pública novamente, que dá a garantia das famílias permanecerem naquele espaço, e fazer esse resgate de todo esse conhecimento tradicional que a gente perdeu nessas décadas, nesses últimos 100 anos de desenvolvimento econômico, que atrapalhou e muito as condições da vida das populações que aqui vivem. Eram pessoas que viviam inseridas nesse bioma de Mata Atlântica. Por conta dos ciclos que aconteceram no litoral, a expansão do capital e o próprio estado promovendo desenvolvimento com base na questão econômica, questões das populações originárias foram deixadas de lado”, enfatiza Jonas.

O acampamento surge após alguns ciclos acontecerem na região, com o da exploração de madeira, da palmeira juçara e da pecuária, degradando o solo e tornando-o improdutivo. Foi a partir daí que teve início a ocupação, em que as famílias se organizaram para criar o acampamento e fizeram desse espaço um local de luta pelo território, pelo meio ambiente e pela manutenção das populações tradicionais.

Depois de todo esse processo de transformação, a comunidade conseguiu retomar a forma de vivência das populações que viviam neste território no passado, com um diferencial que agora é organizado, tanto para produção sustentável como para a garantia da participação popular nas políticas públicas voltadas à alimentação de qualidade.

“Hoje a comunidade é uma inspiração para as comunidades no entorno, inclusive para o litoral, que mostra que é possível retomar os territórios dentro da agroecologia, que vinham contribuindo para a manutenção do bioma Mata Atlântica e também fazendo a restauração dessa parte degradada, recuperação de mata ciliar, o próprio sistema de agrofloresta, ele faz uma cobertura vegetal em áreas que era de pastagem. Nós temos uma agrobiodiversidade, que é o resgate das plantas nativas”, garante Jonas. 

A produtora agroecológica e integrante da coordenação da comunidade Sara Dalila Wandenberg dos Santos expressa o sentimento das famílias, após tantos anos de trabalho coletivo para a consolidação do assentamento: “Eu sempre tive sentimento de pertencimento para o lugar onde moro, mas ter esse direito reconhecido legalmente funcionou em mim como aclamação. É realmente uma vitória, em alguns momentos chega a faltar palavras para expressar, e é onde as lágrimas são conforto, pois com elas é possível perpassar por todos os anos vividos. Eu sempre alimentei em mim a certeza que iríamos conquistar esse direito”.

Coletivo Plantear realiza estudo técnico na comunidade José Lutzenberger

O coletivo Plantear teve importante papel no processo judicial da área. “O estudo realizado pelo PLANTEAR entra num momento do processo em que se discute o preço da terra e das benfeitorias a serem pagos ao antigo proprietário. Então, o estudo consegue mostrar de forma que diante do estado de degradação ambiental em que se encontrava a área, o trabalho de recuperação ambiental que, graças ao manejo agroflorestal feito pela comunidade, também produz alimentos saudáveis gerando renda e benefícios para a região, possibilita a consolidação de uma comunidade que desde há muito tempo preserva e resgata a cultura tradicional caiçara e prestando serviços socioambientais. Neste sentido o que mais impactou no trabalho realizado foi ver a recuperação da mancha florestal aos mesmos níveis anteriores à degradação ambiental provocada pelo antigo proprietário. Então, o estudo comprovou esses impactos positivos que, além da dimensão ambiental, também impactou o social, cultural e econômico da região, mostrando que a comunidade já tinha contribuído muito mais do que o equivalente ao preço da terra. Assim foi possível chegar a um acordo de conciliação justo para que a terra permanecesse com a comunidade, uma conquista merecida”, finalizou Gustavo Steinmetz Soares, doutorando do Programa de Pós-Graduação de Geografia da UFPR, e membro dos coletivos Enconttra e Plantear.

Plantear

O coletivo presta assistência técnica a comunidades em situação de conflitos territoriais e estabelece uma rede de diálogo entre comunidades, movimentos sociais, universidades e instituições públicas, atuando por meio da assessoria técnica popular e de projetos de planejamento territorial em diferentes contextos sociais. Mediante isso, a Nota Técnica nº 02/2021: Uso, Ocupação e cadeia Dominial do Imóvel Fazenda São Rafael, Comunidade Agroflorestal José Lutzenberger, Antonina/PR, foi realizada com base na contextualização da área, considerando o imóvel, entorno imediato e localização regional para a análise de aspectos físicos, ambientais, produtivos e socioeconômicos.

De área degradada para exemplo de produção agroflorestal

Quando as famílias chegaram no espaço, em 2004, se depararam com um solo devastado por conta da utilização de agrotóxicos e pela criação de búfalos na área, que é uma atividade incompatível com o Plano de Manejo voltado à área de proteção ambiental. Uma dificuldade encontrada na área foi o fato do lençol freático ficar próximo ao solo e com a criação de búfalos, houve uma compactação e rebaixamento do solo. Além disso, a área era marcada pelo desmatamento e desvio do curso do Rio Pequeno, localizado dentro da área onde fica a comunidade, gerando maior degradação ambiental e empobrecimento do solo.

Foi necessário realizar um trabalho para recuperar o terreno, e após todo o processo e a recuperação da mata ciliar pela comunidade, o Rio Pequeno retornou ao seu curso natural. Além dessas melhorias, a comunidade também se destaca pela produção de alimentos agroecológicos. “Temos um grande respeito pela terra, por esse cinturão verde, de terra, de água. É um lugar maravilhoso. É um privilégio estar aqui, me vejo assim. As famílias devem falar o mesmo porque é o sentimento de nós todos. Desde 2003 que a área passou a ser bem cuidada, parou de ser usado veneno ou algum químico, sem nenhum prejuízo ao meio ambiente. Veneno para nós é só na televisão”, declara Luzinete, moradora e guardiã de sementes crioulas. É justamente essa síntese feita por Luzinete e reconhecida pelo sistema de justiça que possibilitou o avanço no processo de regularização coletiva da posse. A área ocupada pelas famílias em 2004, dentro da Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba, de Mata Atlântica, era objeto de uma ação de reintegração de posse ajuizada pelo proprietário neste mesmo ano. No entanto, com a consolidação das famílias na área e um intenso trabalho de recuperação ambiental e produção agroecológica pelo campesinato, a ação da antiga Fazenda São Rafael – intensamente degradada pelo desmatamento e criação de búfalos – foi reconvertida em área de exuberante Mata Atlântica.

Exemplo a ser seguido e premiação pela recuperação ambiental

Cerca de 90% da produção da cooperativa local serve de alimentação às crianças das escolas estaduais de quatro municípios da região (Guaratuba, Morretes, Antonina e Pontal do Sul), pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Além disso, os agricultores também participam de feiras na região e comercializam cestas de produtos a moradores da região. 

O desenvolvimento da comunidade Lutzenberger mostra os benefícios da forma organizativa das famílias Sem Terra, como explica Jonas: “As famílias, hoje, têm a sua renda, conseguem desenvolver algumas coisas que eram sonhos delas, de melhoria de casa. Agora com a consolidação da área, dá para planejar melhor, ter essa segurança de poder fazer esse planejamento, tanto nas coisas individuais quanto coletivas. É um processo que avançou muito, nisso ganha todo mundo, a natureza ganha, as pessoas que vivem nesta inserção ganham também”. Por conta deste trabalho, em 2017 a comunidade recebeu o prêmio Juliana Santilli de Agrobiodiversidade que reconhece a prática que alia produção de alimentos e preservação ambiental.

As famílias comemoraram o prêmio como uma forma de dar visibilidade ao projeto. “Estamos mostrando que nós ocupamos uma área totalmente degradada e estamos recuperando a mata e ainda produzindo alimento sem veneno. Isso mostra que a reforma agrária é um projeto viável, não apenas na questão social, mas também na ambiental”, comenta Jonas, que também é um dos coordenadores do acampamento.

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