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30 anos sem Senna, vítima da ganância da Fórmula 1

Passados exatos 30 anos da morte de Ayrton Senna, algumas perguntas continuam sem respostas, mas ao menos uma certeza inconveniente pode ser concluída: a morte do piloto seria evitada se as leis as italianas tivessem sido cumpridas, impedindo a realização da corrida. Prevaleceu, infelizmente, a ganância da Fórmula 1.

Um dia antes do acidente fatal de Senna no GP de Ímola, um outro piloto havia morrido nos treinos. Roland Ratzenberger, conforme diferentes fontes, morreu ainda na pista. Oficialmente, contudo, a morte foi declarada 6 minutos depois de ele ter sido levado da pista por um helicóptero.

A lei italiana prevê que em casos de morte na pista a competição seja suspensa.

Se a lei tivesse sido colocada em prática – o que dependeria que as autoridades italianas fossem informadas sobre o fato pela organização da prova – a corrida em que Senna morreu nem teria acontecido.

Mesmo que não houvesse uma lei, se houvesse um pouco bom senso na Fórmula 1 aquele GP nunca deveria ter sido realizado. Além de Ratzenberger, por pouco Rubens Barrichello não foi outra vítima fatal nos treinos de sexta-feira. Dois acidentes graves não foram suficientes para a FOCA (Associação dos Construtores da Fórmula 1) suspender o Grande Prêmio, mesmo com forte pressão dos pilotos para que isso acontecesse, inclusive de Senna. 

Nem isso nem a morte de Senna impediram que os carros seguissem correndo naquele domingo de 1° de maio de 1994.

O circo continuou enquanto o ídolo nacional agonizava seus últimos suspiros.

Senna também morreu na pista. O piloto teve o crânio dilacerado possivelmente por uma forte batida da cabeça diretamente contra o muro. Ao contrário do que alguns defendem, a barra de sustentação do pneu que furou a viseira do capacete e perfurou o rosto do piloto não foi o golpe fatal.

As outras lesões na base do crânio eram muito mais graves. Portanto, não foi um detalhe, uma combinação infeliz daquele pequeno objeto achando justamente a parte mais frágil do capacete, que provocou a morte. Pode ficar ainda mais dramático assim, mas a verdade é outra.

Após a batida, Senna até poderia ter algum sinal vital ainda em pista. Mas a morte cerebral era flagrante, embora precisasse ser confirmada no hospital, como aconteceu horas depois. Era impossível que o piloto sobrevivesse, conforme dizem os próprios médicos que prestaram os primeiros atendimentos.

A autópsia, segundo o primeiro relatório medico provisório anunciado pelo doutor Martinelli, revelou que a morte aconteceu na pista logo após a violenta batida contra o muro do circuito de Ímola.

A conclusão que se chega é que, assim como a organização da Fórmula 1 fez com relação ao Ratzenberger, agindo para impedir a interrupção da competição, fez também com Senna – adiando o anúncio da morte para que os negócios não fossem prejudicados.

Caso a morte do piloto brasileiro tivesse sido anunciada na pista, a corrida vencida por Michael Schumacher teria sido imediatamente interrompida.

O poderoso da Fórmula 1 Bernie Ecclestone sabia que Senna tinha morrido na pista. Tanto que comunicou à assessora de comunicação Betise Assumpção e ao irmão do piloto Leonardo. Betisse conta: “Leonardo (irmão de Senna) e eu saímos dos boxes da Williams e caminhamos em direção à torre de comando do autódromo em busca de mais informações. Quando nos aproximamos, Bernie (Ecclestone, chefão da F1) estava saindo de lá. Bernie se sentou no braço de uma poltrona; nós dois no sofá em frente. O Bernie disse que tinha notícias do Ayrton. Leo estava branco. ‘Ele está morto’, falou”.

O doutor Servadei, um dos que atendeu Senna ainda na pista e o acompanhou até o hospital, disse ao jornalista Livio Oricchio o que viu após o acidente. “Antes mesmo de retirar o capacete, ficamos impressionados com a quantidade de sangue que o piloto perdia. Alguma artéria havia sido atingida com certeza e minha primeira preocupação era, uma vez exposta a cabeça de Senna, tentar conter a hemorragia. Quem orientou a complexa retirada do capacete foi o doutor Sid Watkins, o médico da FIA. Mas tão logo tivemos acesso a sua cabeça, sem o capacete e a balaclava, compreendi que Senna não sobreviveria”, afirmou doutor Servadei. “Vimos que a base craniana estava aberta e ele perdia massa cefálica, cérebro, pelo corte de mais de um centímetro de largura que corria por trás das orelhas, de lado a lado da cabeça”.

Quatro dias após o acidente, a Folha de São Paulo publicou o relato de uma média do IML que participou da autópsia no piloto. Segundo sua descrição, no dia seguinte ao acidente o rosto do piloto estava desfigurado. A médica pediu para que seu nome não fosse revelado. “Muito inchada, a cabeça quase se juntava aos ombros. Os médicos concluíram, após a autópsia, que Senna teve morte instantânea na batida a 290 km/h na curva Tamburello. Teve também parada cardíaca naquele momento e circulação praticamente interrompida”.

Um frade que viu de perto Senna no hospital descreveu. “Há muito tempo que não via uma pessoa ter seu rosto tão modificado. É duro dizer, mas a sua face não era de um ser humano. De qualquer modo o que eu tinha à minha frente era um ser bom, segundo muitas pessoas, um grande crente em Deus. Depois de me recuperar do choque, absolvi-o dos pecados e fiz a reza do S. Giacommo, em nome de todos nós, para que tenha a inteira paz nos céus”.

Com tantos erros (ou crimes) da Fórmula 1 na morte de Senna, parece perder importância a pergunta sobre o que causou o acidente do piloto – quebra na barra de direção, furo de pneu ou erro humano?

A causa mortis foi a irresponsabilidade e ganância da Fórmula 1.

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