Por Samuel Gomes
Em meados de 2010, depois longa negociação com a CRCC – China Railway Construction Corporation, a
maior empresa de construção de ferrovias da China e a segunda maior empresa de engenharia do mundo, e com o Banco de Desenvolvimento da China, apresentamos ao Palácio Iguaçu o plano de construção de mais de 1300 km novos trechos em bitola mista (métrica e larga) que realizaria por completo o projeto de expansão da Ferroeste.
O banco de desenvolvimento chinês financiaria e a Ferroeste construiria as novas linhas com a CRCC, em
nova parceria com o Exército, modernizando a nossa engenharia militar ferroviária com a tecnologia mais
desenvolvida do mundo.
O ato no Palácio em 2010 coroou com êxito a empreitada iniciada em 2003, com a posse do governador
Requião em seu segundo mandato, de retomar o projeto original da Ferroeste de ligar por trilhos o Oeste a Paranaguá.
Foi uma longa jornada. A primeira etapa da luta foi livrar o Paraná do lesivo contrato de subconcessão,
originado de curioso leilão, em 1997, que paralisou a ferrovia por quase dez anos.
Retomamos a Ferroeste para o Estado na Justiça em 2006. A partir daí era crescer ou morrer. E crescemos.
Reativamos o convênio com o Exército e estabelecemos as parcerias necessárias para que o projeto de
expansão ao Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraguai avançasse.
O duplo gargalo
O primeiro grande desafio da Ferroeste era – e ainda é – desobstruir o duplo gargalo representado pela
velha ferrovia da rede federal na Serra da Esperança e pela ferrovia na Serra do Mar. Qualquer proposta ou ideia que não dê solução a isso ignora a realidade.
A Ferroeste é deficitária porque não transporta e não transporta porque não chega ao Porto em linha
própria
A lógica empresarial da concessionária privada federal sempre asfixiou a Ferroeste e foi nociva aos
interesses do Oeste do Paraná. Os produtores do Oeste investem milhões no terminal de Cascavel, mas não recebem vagões suficientes para chegar ao porto.
Para vencer os gargalos tivemos que enfrentar e derrotar politicamente a concessionária ALL, cuja
influência no governo federal fez incluir no PNLT – Plano Nacional de Logística de Transportes uma exótica variante entre Guarapuava e Ipiranga, no modelo PPP e com preço algo estranho.
A ALL fagocitaria a Ferroeste e os produtores do Oeste ficariam à mercê da sua crueldade tarifária. O
Paraná levantou-se, a engenharia paranaense, liderada pelo ex-governador Emílio Gomes, do Instituto de
Engenharia do Paraná, uniu-se ao governo e dobramos o Governo Federal, fazendo incluir no PNLT o trecho Guarapuava – Paranaguá.
Vencido o primeiro desafio, contratamos junto ao Lactec dois estudos de pré-viabilidade com diretriz de
traçado, entre Guarapuava e Paranaguá e entre Laranjeiras do Sul e Chapecó, passando por Pato Branco e
Francisco Beltrão, velho sonho do Sudoeste.
Para antecipar o cronograma das futuras obras, propusemos ao Ibama a realização de um único estudo de viabilidade ambiental para todo o projeto nos territórios do Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. E retomei o convênio com o Exército, cujos batalhões ferroviários de Lages e Araguari construíram a linha atual entre Guarapuava e Cascavel de 1992 e 1994, no primeiro governo Requião.
Em seguida, com técnicos do Ibama, Departamento de Engenharia do Exército e Serviço Geológico do
Paraná, em aeronave do Exército, com 17 pessoas embarcadas, inspecionamos os mais de 1.300 km de
novos trechos. A expedição técnica foi documentada a bordo do helicóptero por equipe da TV Educativa.
A Ferroeste se transforma em Ferrosul
Paralelamente, focamos na construção política e institucional para dar perenidade ao projeto, livrando-o de interrupções e desvios por mudanças eleitorais no Paraná, como o erro da fracassada privatização em 1997.
Um forte movimento empresarial, social e político tomou conta do Sul e convenceu os governadores a
transformarem a estatal paranaense em uma empresa multifederativa, a Ferrovia para a Integração do Sul
S/A – Ferrosul.
O Codesul emitiu a Resolução 1.042/2009 e as necessárias leis foram aprovadas nos parlamentos estaduais, a começar pelo Paraná.
Os governos seguintes engavetaram o projeto e arquivaram o sonho.
A nova proposta de privatização da Ferroeste
Foi essa Ferroeste que entregamos ao Paraná em 2010, ao final do terceiro governo Requião. A ferrovia
construída ao custo de US$ 363 milhões, entre Guarapuava e Cascavel, centavo por centavo do Tesouro do Estado, que fora paralisada por uma fracassada privatização, retornou ao Estado revigorada pelos projetos de expansão de suas linhas para o Sul inteiro, conectando portos, rodovias, ferrovias, hidrovias, países.
Além de oceanos, pois as linhas da Ferroeste integram o Eixo de Capricórnio da IIRSA/Cosiplan, entre os
portos chilenos de Antofagasta/Mejillones e Paranaguá, e a Ferroeste participou ativamente dos
entendimentos que resultaram no primeiro (e único) estudo de viabilidade da ferrovia bioceânica,
financiado pelo BNDES.
Passados 14 anos, estamos no mesmo ponto de 2010 e o governo manda agora um projeto de lei à Assembleia Legislativa que autoriza, mais uma vez, a privatização da Ferroeste.
A Informação Técnica CCEE nº 75/2024, que integra a Mensagem 50/2024, deixa mais dúvidas que certezas e levanta justas preocupações do setor produtivo.
As alternativas apontadas pelo governo, como preferenciais para a privatização (cessão onerosa e alienação das ações da empresa), não asseguram os investimentos na construção de novos trechos, em especial a ligação por linha própria entre Guarapuava e Paranaguá, a verdadeira carta de alforria da Ferroeste, como defende há décadas a engenharia paranaense e os produtores do Oeste.
Sem esse trecho, a nociva dependência da Ferroeste da concessionária privada da rede federal, verdadeira causa dos males que afligem a companhia paranaense, permanecerá separando o Oeste do Paraná do Porto de Paranaguá e de nada terá valido todo o esforço do Paraná de gerações de paranaenses na construção da ferrovia.
O Paraná já fez muito pelo Brasil ao construir a Ferroeste. É hora de unir o Paraná e o Governo Federal em
torno de uma solução definitiva. Solução esta para ligar o Oeste do Paraná ao Porto de Paranaguá por uma ferrovia moderna, promovendo uma revolução econômica e logística na região e no Estado.
O governador Bento Munhoz da Rocha Neto cunhou um pensamento que serviu de Norte para as nossas
ações na Ferroeste. Dizia ele que tudo o que se fizer pelo Paraná ou deve ser feito em grande estilo ou
então não deve ser feito. Fazer com timidez ou mediocridade é um crime contra o Paraná. Que os atuais
governantes e deputados tenham isso em conta. A história é implacável.
*Samuel Gomes é advogado, mestre e professor de Direito, membro da Rede de Especialistas Iberoamericanos em Infraestruturas e Transporte, foi diretor jurídico (2003 a 2006) e diretor presidente (2006- 2010) da Estrada de Ferro Paraná Oeste – Ferroeste.
Artigo publicado originalmente na Gazeta do Povo
Uma resposta
Muito bom o artigo.
Seria importante saber se o governo do Paraná, aprendeu alguma coisa com o acontecido na privatização de 1997, para não repetir o erro, nem deixar os produtores reféns da tarifa e da disponibilidade de ativos para o serviço, da nova concessionária.