Por Pedro Carrano*
A crise que se abateu sobre os trabalhadores e organizações de esquerda, sobretudo desde o golpe de 2016 contra Dilma, é de longo eixo. De fato, foi uma derrota estratégica e não apenas tática ou pontual, e que arrastou a todas as organizações da esquerda. Diante disso, não há saídas fáceis e nem reações desesperadas ajudam, como responsabilizar as classes populares pelos resultados adversos.
Embora, a cada ano, a esquerda acredite que a situação vai passar, o “Agora vai”, num exercício voluntarista, uma nova adversidade surge, seja no campo institucional, como foi o péssimo resultado nas eleições municipais, seja no terreno da sociedade civil.
O contexto desfavorável, desde 2016, se dá pelo fato de que a classe trabalhadora passou pelas reformas da previdência, trabalhista e o aprofundamento das terceirizações. Os dados de mobilizações e greves decresceram. A sindicalização no Brasil, que já era baixa, passou de 17% para os atuais 8%, bem como houve arrefecimento na indústria no período pós-golpe, chegando a menos de 10% da produção nacional.
O fator central para essa análise é a crise de 2008, que alguns autores consideram como rastejante, ou seja, os impactos seguem sentidos e a crise se arrasta no plano mundial. Tal crise permite uma reação agressiva por parte do governo dos EUA (estamos assistindo a um genocídio na Palestina) e a uma ascenção do neofascismo da Europa à América Latina. Nesse contexto, a esquerda e seu período de governos, dos socialistas como Hollande na França aos progressistas na América Latina, não melhoraram as condições de vida do povo nos últimos 20 anos.
A crise da democracia representativa e burguesa chega a um ponto alto. A defesa apenas de uma democracia sem conteúdo popular tem jogado a esquerda no bojo do mesmo desgaste das instituições. O que permite o neofascismo se apresentar como “indignado”, “antissistêmico”. Em capitais como Curitiba e São Paulo, o nível de abstenção foi maior que a votação do segundo colocado no pleito.
Nas eleições municipais, que carregam várias particularidades, o avanço da extrema-direita/neofascismo foi derrotado no segundo turno em algumas capitais para a chamada “direita tradicional”, predomínio que já havia sido visto nas municipais de 2020. Essa direita tradicional, de forma geral, venceu na maior parte dos municípios. Porém, chama atenção a proximidade programática entre os dois campos, que já não apresentam as mesmas contradições do período da pandemia.
De todas as críticas que surgem neste momento, mas a campanha de Boulos em São Paulo teve como um ponto positivo apontar o caminho correto do diálogo buscando a classe trabalhadora e média capturada pelo neofascismo. E também os segmentos superexplorados que se consideram empreendedores. A campanha soube olhar a atual fragmentação da classe e apontar para isso.
A correlação de forças na sociedade será apenas alterada com a geração de um novo polo de lutas e de movimentação da classe trabalhadora. O que demandará tempo paciente, trabalho e diálogo.
Além da percepção firme de que, sem uma frente popular defensora dos direitos da população, a esquerda seguirá pagando o preço e sendo vista como mera parte das (desgastadas) instituições. O tempo de frentes amplas sem nenhum conteúdo programático é insuficiente. Bem como a construção dessa frente popular demanda um novo ciclo e eixo histórico.
*Jornalista, escritor autor de História da Comuna de Oaxaca, e militante do movimento popular urbano