O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros confirmaram agenda no Paraná no próximo dia 30 de abril. A visita marcará a oficialização do assentamento de mais de 400 famílias na comunidade Maila Sabrina, localizada na divisa entre os municípios de Ortigueira e Faxinal, na região Centro-Sul dos Campos Gerais.
A comunidade organiza uma grande celebração para receber o presidente e comemorar a conquista, com churrasco comunitário e apresentação da Orquestra Popular Camponesa — composta por crianças, adolescentes e adultos integrantes do MST-PR. A previsão é que Lula chegue por volta das 10h30 e permaneça até às 15h.
Vitória após 22 anos de luta
A conquista das famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) representa o fim de uma luta de 22 anos pela Reforma Agrária. A área de 10.500 hectares, antes conhecida como Fazenda Brasileira, era destinada à criação de búfalos e apresentava intenso processo de degradação ambiental. Hoje, abriga uma comunidade vibrante com mais de 1.600 pessoas, que produzem grãos, hortaliças, frutas, criam animais e investem na produção orgânica.
A liderança comunitária Jocelda Oliveira resume o sentimento coletivo:
“A palavra que define hoje é emoção […]. Graças à luta e à resistência da comunidade e do MST, vencemos. Esta é nossa grande vitória: o assentamento.”
Maila Sabrina: da ocupação à consolidação
A história da comunidade começou em 2003, com a ocupação de uma pequena parte do latifúndio, batizada de Acampamento Che Guevara. Em julho de 2005, a ocupação avançou para a sede da fazenda, e, em janeiro de 2006, a comunidade foi renomeada para Maila Sabrina, em homenagem a uma criança sem terra falecida no acampamento devido a uma doença crônica.
Com trabalho coletivo, organização e solidariedade, as famílias transformaram o local em um território digno. A comunidade conta com a Escola Itinerante Caminhos do Saber, que atende 200 estudantes e emprega 20 funcionários. Crianças que antes viajavam 40 km para estudar, agora têm acesso à educação de qualidade no próprio local — a escola foi construída pela própria comunidade.
Também foram erguidas, com recursos próprios e apoio das prefeituras de Ortigueira e Faxinal, diversas estruturas comunitárias: salão de eventos, quadra de esportes, Unidade Básica de Saúde, academia ao ar livre, campo de futebol, lanchonete, mercado e igrejas.
Resistência e memória política
A comunidade participou ativamente da Vigília Lula Livre, em defesa da inocência do presidente. “Além de ser uma conquista da nossa comunidade, é uma vitória do MST, da democracia — que tirou Lula da prisão e o colocou novamente na Presidência”, afirma Jocelda. Em 2022, a comunidade celebrou o resultado da eleição: 100% dos votos locais foram para Lula.
A Maila Sabrina também é reconhecida na região por organizar uma das maiores cavalgadas do estado. A tradicional Cavalgada do Trabalhador ocorre todo mês de maio e, na última edição, reuniu mil participantes. O percurso de 8 km atravessa a comunidade.
Produção com preservação ambiental
A comunidade combina alta produtividade agrícola com preservação ambiental. Produz anualmente cerca de 21 mil quilos de frutas, 110 mil sacas de grãos e cereais, além de toneladas de alimentos como batata-doce, moranga, quiabo e folhosas. Pequenas criações de caprinos, bovinos, aves e suínos complementam a produção.
Durante a pandemia, a solidariedade se intensificou: centenas de toneladas de alimentos foram doadas a comunidades urbanas da região e de Curitiba, como parte da campanha nacional de solidariedade do MST. Para reforçar as ações, foi criada a horta comunitária Centro de Produção Antonio Tavares, livre de agrotóxicos.
De 2003 a 2023, o território teve importantes mudanças ambientais. Pastagens degradadas foram substituídas por lavouras e áreas de floresta. Dados do projeto MapBiomas mostram que a área de floresta nativa passou de 3 mil para 4,5 mil hectares — um aumento de 21%. Esse crescimento fortalece a biodiversidade e serviços ecossistêmicos como o sequestro de carbono e o ciclo hídrico, essenciais para o enfrentamento da crise climática.
Acordo e diálogo para solução fundiária
A criação do assentamento foi oficializada em 27 de março deste ano, após dois anos de mediação conduzida pela Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Paraná. Participaram das negociações o Incra (estadual e federal), Ministérios Públicos, Defensorias Públicas, a Superintendência de Diálogo e Interação Social (Sudis) e os antigos proprietários da fazenda.
Segundo o desembargador Fernando Antonio Prazeres, presidente da Comissão do TJ, a solução foi “altamente positiva”.
“É a prova de que, com condições adequadas para o diálogo, é possível construir soluções sólidas, que atendem aos interesses de todos os envolvidos.”
O acordo garantiu a indenização dos antigos proprietários e a extinção das ações possessórias, eliminando a ameaça de despejo das famílias. Atualmente, mais de 7 mil famílias camponesas ainda vivem em acampamentos no Paraná, lutando pela efetivação da Reforma Agrária.
Concentração fundiária no Paraná
Dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE) mostram forte concentração fundiária em Ortigueira e Faxinal. Em Faxinal, estabelecimentos com até 100 hectares representam 78,6% do total, mas ocupam apenas 12,5% da área. Em Ortigueira, 88% das propriedades têm até 100 hectares, mas ocupam apenas 23,2% da área total.
O índice de Gini — que mede desigualdade (quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade) — reforça o cenário. A média paranaense é 0,688. Ortigueira tem índice de 0,77 e Faxinal, 0,789 — ambos acima da média estadual. Os dados constam no estudo técnico Comunidade Maila Sabrina, território consolidado: indicadores e análise, do projeto PLANTEAR, da Universidade Federal do Paraná.