A volta de Linn da Quebrada e a irresponsabilidade da mídia

Linn da Quebrada em Campo Grande na 20ª Parada LGBT+ — Foto: Arquivo/Divulgação

Após um período de internação para cuidar da saúde mental e do uso de substâncias, Linn da Quebrada — artista, atriz e ativista — ressurgiu publicamente, reforçando sua força. Nesta segunda-feira (28), ela apareceu em suas redes sociais cantando pela primeira vez desde a internação, anunciando seu primeiro show após esse período. No vídeo, Linn canta um trecho da música “Cobra Rasteira” e convida os fãs para os shows que ocorrerão nos dias 10 e 11 de maio, no Teatro Raul Cortez, em São Paulo, marcando a celebração e a despedida do álbum “Trava Línguas”.

No entanto, seu retorno também escancarou um problema grave: a irresponsabilidade de parte da imprensa e das redes sociais ao lidar com sua história e sua dor.

Durante sua internação, surgiram boatos de que Linn teria sido vista na Cracolândia, em São Paulo, em situação de extrema vulnerabilidade. A questão, no entanto, não é se essa informação é verdadeira ou não — e sim a completa falta de ética na decisão de torná-la pública.

Mesmo que fosse verdade, qual seria a necessidade de noticiar isso? Transformar em manchete a possível fragilidade de alguém não acrescenta nada ao debate público. Apenas expõe, humilha e reforça preconceitos. No caso de Linn, uma mulher trans, essa exposição carrega ainda mais peso, pois soma-se a uma histórica marginalização enfrentada por pessoas trans e travestis no Brasil.

O ponto central não é a veracidade ou não do fato, mas a falta de necessidade e de responsabilidade em expor publicamente alguém em situação de vulnerabilidade extrema. É um desrespeito à dignidade humana, ainda mais quando se trata de uma pessoa que já pertence a um grupo social historicamente marginalizado, como a comunidade trans.

Quando a imprensa decide transformar uma situação de sofrimento individual em notícia — principalmente com um viés sensacionalista — ela:

  • Reforça estigmas contra a pessoa e contra toda uma população já associada injustamente à marginalização;
  • Viola a privacidade e o direito à dignidade de quem passa por uma crise de saúde física ou mental;
  • Afasta a sociedade de uma reflexão verdadeira sobre políticas públicas para saúde mental, drogadição e direitos humanos;
  • Utiliza a dor como espetáculo, em vez de tratá-la como uma questão social séria que merece cuidado e empatia.

Linn da Quebrada não é apenas uma figura pública: é um símbolo de resistência. Violentar sua privacidade em um momento de crise é mais um capítulo da lógica cruel que trata corpos trans como objetos de exploração e não como sujeitos de direitos.

A irresponsabilidade da mídia neste episódio expõe também a profunda epidemia de saúde mental enfrentada pela comunidade trans. Pesquisa após pesquisa confirma que pessoas trans estão entre as mais afetadas por depressão, ansiedade, ideação suicida e exclusão social. Em vez de alimentar o sensacionalismo, a imprensa deveria refletir sobre seu papel na perpetuação ou no combate a essas violências.

A saúde mental, principalmente dentro de populações historicamente marginalizadas, precisa ser tratada com cuidado, empatia e seriedade. Não como espetáculo.

A volta de Linn é, portanto, muito mais do que um recomeço pessoal: é um ato político. É um lembrete de que a dignidade humana deve estar acima da audiência, do clique fácil e da curiosidade mórbida.

Respeitar a privacidade de quem enfrenta dores profundas é uma responsabilidade coletiva — e deveria ser um princípio básico do jornalismo sério.

Que a história de Linn da Quebrada nos ajude a refletir: não sobre onde estavam os corpos vulneráveis, mas sobre onde está nossa humanidade.

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