Venda da Celepar levanta reação nacional e acende alerta sobre dados públicos

A tentativa do governo Ratinho Junior de privatizar a Celepar, estatal responsável por processar dados estratégicos do Paraná e de outros estados, deixou de ser uma pauta restrita ao âmbito estadual e passou a mobilizar atores nacionais. Nos últimos dias, o tema ganhou força em três frentes distintas: Congresso Nacional, Ministério Público e Tribunal de Contas. A venda, autorizada pela Lei Estadual 22.188/2024, enfrenta contestações jurídicas, questionamentos sobre segurança da informação e alertas sobre risco à soberania digital.

A mobilização mais recente partiu das direções nacionais do PT e do PSOL, que anunciaram que vão ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal para barrar a lei que autorizou a privatização. A decisão foi tomada após audiência pública realizada em 23 de setembro, na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, com participação de servidores da Celepar, parlamentares e especialistas em segurança digital.

No encontro, parlamentares apresentaram exemplos que reforçam os riscos da entrega de dados públicos ao setor privado. Foi citado o caso da licitação suspensa pelo Tribunal de Contas do Paraná, vencida pela fintech BK Instituição de Pagamento S.A., suspeita de ligação com o PCC, para administrar o programa Cartão Comida Boa — contrato de R$ 108 milhões. O formato atual de licitações no Estado, que dispensa a identificação de quem representa os grupos interessados, também foi alvo de críticas.

A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmou que a venda coloca em risco a privacidade de milhões de paranaenses e a integridade das informações públicas. “Entregar a companhia à iniciativa privada significa abrir mão da nossa soberania digital e colocar em risco a privacidade de milhões de paranaenses. Nosso compromisso é claro: vamos defender a Celepar, fortalecer a transparência e garantir que a tecnologia esteja a serviço do povo. Privacidade também é soberania!”

O deputado estadual Arilson Chiorato (PT), líder da Oposição na Assembleia Legislativa, reforçou que a Celepar desenvolve sistemas usados também por outros estados e que a operação envolve dados sensíveis. Para ele, a privatização representa “entregar a soberania digital do Paraná nas mãos de terceiros”.

O tema também passou a ocupar o radar do governo federal. Durante a audiência no Congresso, representantes do Ministério da Justiça e da Secretaria de Relações Institucionais foram informados sobre os riscos à segurança pública e à privacidade da população. A Secretaria de Direitos Digitais recebeu documentos com alertas sobre o impacto da operação.

A pressão institucional ganhou novo capítulo no dia 24 de setembro, quando o Ministério Público do Paraná acionou a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para que fiscalize o processo. A representação aponta possível violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e destaca que, se a empresa for privatizada, podem ser expostos registros da saúde, informações fiscais, dados da segurança pública e da educação.

Para a oposição, a manifestação do MP-PR reforça um alerta que vem sendo feito na Assembleia Legislativa desde o início da tramitação do projeto. “O Governo Ratinho Jr quer vender a Celepar a qualquer custo e não se preocupa com as consequências. Estamos falando da empresa que guarda dados da saúde, da segurança, da educação e das finanças do Paraná. Entregar isso para a iniciativa privada é ilegal e coloca em risco milhões de paranaenses. O alerta do Ministério Público mostra que nossa preocupação está certa e que essa privatização é um perigo real para o Estado e para a população”, disse Arilson Chiorato.

Enquanto isso, o processo segue travado no Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). Uma medida cautelar concedida em 11 de setembro pelo conselheiro-substituto Lívio Sotero Costa suspendeu a privatização. A decisão foi fundamentada em possíveis “fragilidades que poderiam expor o Estado, caso não sanadas, a riscos financeiros e de continuidade da consecução das políticas públicas atribuídas à referida estatal”.

A suspensão foi motivada por uma representação da Quarta Inspetoria de Controle Externo do TCE, que listou um conjunto de problemas: ausência de política estadual de governança em tecnologia da informação, falhas na preparação técnica para a desestatização, dependência tecnológica do Estado em relação à Celepar, falta de comunicação prévia com a ANPD, risco à continuidade de serviços públicos e indícios de violação de princípios do interesse público.

Além disso, o conselheiro Fernando Guimarães pediu vistas do processo na sessão do Pleno do dia 17, o que mantém válida a cautelar. Ele ainda tem duas sessões para devolver o caso ao relator. Até lá, a privatização permanece suspensa.

Os opositores da venda afirmam que os impactos vão muito além da estrutura administrativa. Entre os dados sob gestão da Celepar estão prontuários médicos, boletins escolares, registros fiscais, sistemas da segurança pública e informações sobre investigações e processos criminais. A transferência desses dados a empresas privadas poderia gerar riscos de vazamentos, exploração comercial e dependência tecnológica do Estado.

Para além do Paraná, a Celepar mantém contratos e presta serviços a órgãos de outros estados, o que amplia a gravidade da possível exposição. O representante dos trabalhadores da companhia, Jonsue Trapp Martins, lembrou que “a empresa tem informações estratégicas que fazem a máquina pública funcionar”.

Do ponto de vista político, a movimentação nacional contra a privatização mostra que a disputa ganhou caráter federativo. O tema envolve soberania digital, proteção de dados e governança pública em tecnologia, áreas consideradas sensíveis na formulação de políticas nacionais e nas relações entre entes federados.

Com a judicialização no STF, o acompanhamento do Ministério Público e a intervenção do TCE-PR, o governo estadual encontra agora um cenário de resistência articulada. A privatização da Celepar, que avançou rapidamente no plano legislativo, entra numa nova fase — com tensão institucional e atenção crescente de autoridades federais, especialistas e entidades de trabalhadores.

Venda da Celepar levanta reação nacional e acende alerta sobre dados públicosA oposição tem insistido que defender a Celepar é defender o controle público sobre sistemas essenciais do Estado e a proteção dos dados de milhões de cidadãos. Para os críticos da privatização, a empresa não é uma estatal comum: é uma guardiã da infraestrutura digital pública e da soberania informacional do Paraná.

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