Texto escrito em março de 2022 e até então inédito
A caminhonete Jeep Compass estaciona na garagem da casa do ex-senador Roberto Requião e aguarda com tudo pronto para o embarque. Requião finaliza um café da manhã reforçado preparado por ele mesmo.
É uma manhã de sábado de março de 2022, período de pré-campanha ao governo do estado, e chove em Curitiba. O destino exigirá 80 KM a bordo, mais balsa em Paranaguá, até que se chegue ao ponto final, a Ilha de Valadares, onde haverá confraternização organizada pelo PT (Partido dos Trabalhadores).
O senador, no alto de seus 81 anos, entra no veículo rapidamente para evitar a chuva.
O dono do veículo, aliado de longa data de Requião, vai no banco de trás. À frente, outro amigo do ex-senador é responsável pela direção, com Requião ao lado, no banco da frente. Com mais de um metro e noventa de altura, o ex-senador precisa ajustar o banco praticamente no espaçamento máximo e puxa tudo para trás, de modo a ter algum conforto nas pernas.
Após se acomodar, Requião revela que descobriu um jeito novo de fazer ovo frito, sem gordura:
— Frito na água. Comi dois agora mesmo — confidencia o ex-senador.
Alguém dentro do carro diz que também tem procurado evitar gordura e preferido fritadeiras elétricas, como a Air Frier. Requião acha graça:
— É uma pena que não dá para fritar ovo. Escorre tudo — diz, dando risadas.
O veículo sai do Bigorrilho, em Curitiba, bairro onde o Senador (como é chamado pelos aliados) mora. Quando cruza a rua Brasílio Itiberê, bem aos fundos do Estádio do Atlético Paranaense, ele se mostra impressionado com o pacote tecnológico da camionete Jeep Compass.
Liga o celular num cabo conectado ao painel e logo sua tela está espelhada no monitor de 10 polegadas. Requião fica impressionado e começa a tentar ligar para vários números que aparecem na lista, apertando a tela touch screen.
A primeira tentativa é para dona Maristela, a mulher de Requião:
— Maristela, estou ligando do carro.
— Estou te ouvindo — responde Maristela
— Então teste realizado com sucesso — finaliza Requião.
Requião tenta fazer outras ligações, sem sucesso, e começa a desconfiar que o equipamento não é tão bom assim. Ele tenta os números do presidente Lula e do filho, o deputado estadual Requião Filho. Como Requião Filho não atende, ele imagina:
— Deve estar andando de bicicleta. Que coragem, com esse tempo!
Ao longo do caminho, o senador não perde uma chance de fazer piada. Faz brincadeiras sobre o tratamento de ozônio. Em seguida, se mostra bastante culpado quando lembra de outra viagem realizada naquela semana.
Naquele dia, no meio da estrada, ele conta que parou em uma conveniência num posto de combustíveis para comprar um Cebolitos. Conferiu a etiqueta no produto e assimilou que custava R$ 6,50. Tirou R$ 10 do bolso e deu para a atendente:
— Vou ficar te devendo cinquenta centavos. Não tem problema? — afirmou, explicando que queria dar uma gorjeta cheia de R$ 4, mas não tinha moeda para inteirar.
A atendente, meio que sem jeito, falou que não haveria problema. O senador e equipe já estavam novamente na estrada quando ele colocou os óculos para abrir o Cebolitos e se deu conta que o preço não era R$ 6,50, mas R$ 16,50. Achou que estava dando gorjeta quando na verdade ficou em dívida.
— Coitada da menina, ficou sem jeito, mas eu estava sem óculos, enxerguei que era R$ 6,50. Quando eu passar por lá novamente, eu pago em dobro.
A história rende sorrisos dos membros da comitiva dentro do carro.
Se nos primeiros quilômetros Requião se mostra impressionado com o Jeep Compass (“esse é aquele jeep grandão, o maior né?”), logo começam as críticas. Apaixonado por carro, o senador faz a primeira reclamação diante de uma curva mais acentuada, na Serra do Mar.
— Não tem muita estabilidade, ficamos indo para lá e para cá — reclama.
O dono do carro não deixa barato:
— Tem muita estabilidade e até controle de tração. Mais estabilidade que o seu Passat.
A frase mexe em um ponto fraco do ex-senador. O Passat Alemão ano 1998 é o seu xodó. Ele simplesmente adora o carro.
— Nenhum carro é melhor que o Passat. Foi o melhor veículo que a Volks já produziu — explica o senador.
Acontece que o Passat está encostado na oficina, o que não chega a ser uma novidade, e o amigo que vai ao volante comenta:
— É verdade. E o Passat dele é 4 x 4. Quatro dias rodando e quatro na oficina.
Requião pondera que o carro está praticamente pronto e só falta arrumar o compressor do ar-condicionado. O senador decide mudar de assunto. Volta a falar de ozônio. Diz que está cansado do tratamento e que vai colocar o aparelho dele à venda. Pergunta se o amigo não tem interesse. Obviamente uma brincadeira, uma vez que Requião é crítico ferrenho da prática como tratamento alternativo ao coronavírus, uma vez que não há qualquer comprovação científica.
Entre uma piada e outra, Requião resolve falar a sério e diz para os aliados que está entrando na disputa pelo governo do Estado porque é preciso mudar a política paranaense e resgatar a soberania do Paraná que, nas falas dele, está sendo sucateado pelo Rato (o ex-governador sempre se refere assim a Ratinho Jr, atual governador do Paraná), com a Copel e a Sanepar sendo entregues ao capital privado.
— Não sei se vou ganhar ou perder. Mas vou me divertir. Estou entrando nessa para valer. O Rato tem dinheiro e tem os deputados e prefeito. Não vai ser fácil, mas as pessoas sabem o que fizemos.
O aliado dono do Compass diz que Ratinho Jr está se enfraquecendo e que os deputados estão insatisfeitos. Em breve, começarão dissidências, prevê:
— Logo eles começam os nos procurar. O descontentamento é grande. Ele não tem habilidade e só favorece alguns deputados mais próximos, enquanto a maioria fica penando com emendas de pouca importância.
— Será? — questiona Requião.
Os assessores sabem e comentam entre si, em diferentes situações, que essa é uma eleição para fazer diferente e que quem espera um Requião pasteurizado está sendo inocente. Não é aos 81 anos que ele vai mudar o seu “jeitão”.
— O Requião é combativo e competitivo. E com larga experiência em campanha eleitoral, sempre com a capacidade de movimentar e gerar debates em torno de assuntos importantes para a população. Ele vai para cima e sabe como ganhar uma eleição — diz um assessor, em outra oportunidade.
A viagem está próxima do ponto final. A comitiva chega em Paranaguá, mas tem dificuldades para achar o ponto de embarque da balsa para a Ilha de Valadares. O carro para para pedir informações a alguns pescadores que estão à beira do rio Itiberê.
É o próprio Requião quem abre o vidro para perguntar, não sem antes ser ovacionado pelos pescadores.
— Governador! Governador! Volta, Requião! — ouve-se dos pescadores.
— Bom dia. Vamos comer um barreado no Valadares. Onde fica a balsa? — questiona o ex-governador.
Estava logo ali na frente. Contudo, a fila parece grande e mal organizada. O senador esbraveja e reclama da demora. Num poste ao lado, uma pessoa escorada também entoa:
— Governador! Volta, Requião, aqui está tudo largado!
— Bom dia. O que você está fazendo aí, está segurando o poste? — brinca o senador.
Após cerca de meia hora, a balsa atraca. Logo alguns veículos tentam furar a fila. O amigo pergunta se deve intervir. Requião desautoriza:
— Não precisa. Logo alguém vai se levantar para reclamar primeiro.
O amigo observa um Citroen Cactos prata à frente. E diz que acha que é da senadora Gleisi Hoffman (“é único cactos prata de Curitiba”). O aliado e dono do Compass vai verificar. Dito e feito.
Mas nem Requião nem Gleisi descem para se cumprimentar. Os veículos estavam relativamente longe e chovia fino.
Alguns carros sofrem para embarcar na balsa, pois a entrada tem uma subida íngreme. O Compass vai sem dificuldades. Já na balsa, a demora ocorre nas manobras para arrancar. O aliado desconfia:
— Está patinando a embreagem. Por isso, está demorando.
Muita demora. Ao fundo, aparece a ponte que liga a ilha ao continente. Contudo, a edificação não permite o trânsito de veículos, apenas pedestres. E o trânsito de pessoas é intenso durante todo o dia. É um problema urbano e social, que Requião comenta que precisa ser resolvido.
A travessia de balsa não é barata. Custa R$ 18 ida e volta, o que de certa forma deixa aquela população mais pobre isolada.
A balsa enfim chega ao outro lado do rio. Na saída, vê-se mais um carro levando conhecidos. Requião, de dentro do Compass, diz brincando:
— Mas que belo casal!
O “belo casal” são os advogados Rochinha e Manoel Neto, responsáveis pela defesa de Lula em Curitiba quando o presidente ficou preso na Polícia Federal, vítima da Lava Jato.
Atravessado o rio, o destino está próximo. Alguns quilômetros e a comitiva chega à Associação Mandicuera, onde será servido o barreado tradicional, “o legítimo”, como brinca o ex-governador. Os preparativos para o prato começaram ainda na quinta-feira anterior.
Requiao e Gleisi Hoffman chegam praticamente juntos. Cumprimentam-se ao saírem dos carros, ainda longe da pequena multidão que aguarda na associação – na maioria militantes e dirigentes petistas e pessoas ligadas a movimentos sociais. O ambiente é simples, mas bastante agradável e alegre.
Candidato ao governo do Estado e em processo de migração para o PT, Requião é a estrela principal. São poucos metros do estacionamento até a sede da associação, mas o caminho demora mais que a travessia de balsa. Todos querem tirar uma casquinha.
Lula lá, brilha uma estrela, Lula lá!
A música fica em modo repetição no som ambiente e a cada execução a empolgação dos participantes aumenta. Eles cantam juntos.
Lula lá, brilha uma estrela… Lula lá!
Na associação estão figurões como Angelo Vanonhi, um dos organizadores do evento, os advogados de Lula já mencionados e ainda o advogado Wilson Ramos, o Xixo. Ramos é bastante próximo de Lula. Foi na casa dele que o presidente participou da primeira confraternização, após ser solto.
É Vanonhi quem abre o evento, enaltecendo a importância de se valorizar a cultura caiçara. São 13h30 e as pessoas estão com fome. O cheiro do barreado sendo cozido há mais de 40 horas é tentador. Fica difícil prestar atenção nas falas.
Chega a vez do discurso da deputada federal Gleisi Hoffmann, antiga aliada de Requião.
— Queria pedir para vocês arregaçarem a manga e irem à luta, mobilizar o povo, fazerem com que as pessoas coloquem nas redes sociais as nossas ideias. Não será simples. Eles têm muita máquina. Estamos falando da vida da maioria do povo, que está perecendo. E precisamos de um projeto de país para a soberania do Brasil. No Paraná não é diferente. O Ratinho faz parte desse processo. Pode até fazer discurso mais ameno, mas ele é a base de sustentação desse projeto de destruição do Brasil que entrega nossos interesses aos interesses estrangeiros — discursa a deputada.
— Por isso, é fundamental ter a eleição do Requião como a nossa prioridade — o complemento é interrompido pelos aplausos da plateia.
— É uma pessoa de que gosto muito e tenho muito apreço. Temos que fazer da campanha do Lula e Requião um grande movimento que reúna todas as forças contra o fascismo e contra os retrocessos para a gente ganhar essa batalha. Nossa tarefa é levar Lula Lá e Requião aqui — continua Gleisi.
Quando chega a vez de Requião, ele diz que é de boa educação chegar a um partido novo de maneira humilde. Mas manda seu recado:
— Não se trata de eleição do PT, partido que estou entrando. Trata-se do movimento para modificar a política do Brasil. Precisamos fazer dessa minha entrada um chamamento para que as pessoas que querem uma mudança participarem desse movimento. Não haverá mudança para valer enquanto não tivermos consciência popular. Pensem muito em quem vão votar para Assembleia. Nenhum presidente conseguirá a mudança que desejamos com candidatos sem consistência. Temos que procurar eleger os mais politizados, os melhores. Senão, deixaremos o Lula pendurado no pincel. No mais, não viemos aqui para discursar, mas para comer barreado.
Acontece que Requião tinha outro compromisso em horário próximo, uma plenária com o deputado estadual Tadeu Veneri, pré-candidato a deputado federal. Com o tempo contra, Requião diz que não comerá. É demovido da ideia e se ajeita para almoçar rapidamente. Ele se senta num banquinho, com o prato em mãos e sem apoio de uma mesa, degustando o prato típico. Quando termina, diz para a cozinheira:
— Foi o melhor barreado que eu já comi. Está uma delícia. Parabéns. Queria comer mais, mas preciso caminhar. Obrigado!
E sai com pressa. No carro, repete o que havia dito para cozinheira:
— Vocês conseguiram comer? Estava muito bom!
Novamente, é preciso ir até o continente. É num hotel em Paranaguá que Requião se encontrará com Tadeu Veneri para a plenária que será online.
No hall do hotel, Requião é parado por algumas pessoas para fotos. Senta-se num sofá, toma um cafezinho em copo descartável de plástico e sobe dois lances de escada até a sala de conferência.
Ao terminar a plenária, o senador não mostra cansaço. Quer ir ao mercado municipal, comer pastel de camarão. Um aliado da região puxa o comboio, em um carro à frente. Requião começa a ficar desconfiado:
— Mas ele não está indo para o outro lugar?
Um aliado explica:
— Estamos indo no mercado municipal que o senhor inaugurou.
— Eu queria ir no outro — diz Requião.
— Mas este também é muito bom e o senhor vai gostar.
O Mercado Municipal é amplo e o andar térreo possui várias lojas que vendem produtos variados, como conservas, embutidos e itens típicos. Requião lamenta o estado de conservação do espaço, inaugurado por ele em 2009. Logo fica sabendo que a placa de inauguração foi arrancada. Alguém sugere que ele faça um vídeo em frente ao mercado, em protesto contra a situação precária do estabelecimento e pelo fato de a placa ter sido arrancada.
— Não vou fazer. Não vou ficar chorando por placa — sentencia.
É o dono do restaurante onde o senador comeria minutos depois quem põe um ponto final na questão:
— Podem arrancar a placa, mas não vão arrancar a história.
A praça de alimentação fica no último andar. Requião é levado ao restaurante Orlay e sem demora chegam três porções: camarão branco à milanesa, peixe frito e lula:
— Vamos antecipar a vinda dele — diz brincando o dono do restaurante sobre a vinda de Lula para Curitiba no próximo dia 18.
— Mas não podemos comer o Lula — continua Requião, também em tom de brincadeira.
A cada beliscada, Requião externa satisfação e diz que foi um acerto ter ido até ali. Ele toma um copo de cerveja Bhrama Duplo Malte, acompanhando os aliados.
Conversa com os garçons, tira fotos e se mostra satisfeito. Requião está animado e de bom humor. Uma das garçonetes diz já ter trabalhado no Madeiro e, como quem acaba de falar algo inapropriado, completa:
— Mas vocês estão em lados diferentes, né — diz a jovem.
— Eu gosto do Durski, mas não gosto do posicionamento político dele. Uma pena que ele tenha seguido esse caminho — ameniza o senador.
Mais um roteiro cumprido. Só que Requião quer mais, o que gera preocupação entre os membros da comitiva. Ele pretende ir até Antonina, o que desviaria o caminho em 60 Km, para comprar siri da dona Jacira.
— Eu seria capaz de vir de Curitiba só para comprar esse siri. É o melhor — comenta.
O senador hesita um momento, pensa que é melhor não ir, depois volta atrás e, na rodovia, quando chega próximo da entrada, enfim decide:
— Vamos seguir para Curitiba. Está muito tarde e o tempo está ruim.
No caminho de volta, a pilha está mais baixa e ele fala para a equipe toda:
— Na campanha, vocês que me arrumem um carro leito.
— Tem que arrumar uma van — responde um assessor.
— Poderia ser aquela Kombi que tem no videogame com o seu nome —complementa outro aliado.
Requião ri.
Chegando em Curitiba, a comitiva passa pelo Jardim Botânico. Requião confessa que nunca entrou no lugar.
— É legal — diz um assessor, sem mostrar muito entusiasmo.
Chove. O trânsito está congestionado. O ex-governador começa a sentir o cansaço e diz que no dia seguinte, um domingo, dormirá o dia todo. É repreendido:
— Vai dormir até às 9h30, quando o senhor tem um vídeo para fazer. Depois disso, pode voltar a dormir — admoesta o assessor.
Requião brinca pela última vez com o Jeep Compass. Pelo painel liga para dona Maristela:
— Estamos chegando — diz.
— Que bom, Roberto! — responde dona Maristela.
Com chuva, sem o siri que tanto queria, Requião enfim volta para a casa.
O Rex – apelido dado por opositores em razão do temperamento combativo do ex-senador e que ele incorporou com bom humor, inclusive cedendo o nome a um de seus cachorros – está de volta.
— Gostei da agenda. O Rato que se cuide — finaliza o senador, dando boa noite já no portão de sua casa.
Uma resposta
Excelente texto. Parabéns…