“Chega de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia”, cantou Cazuza lá atrás. A frase resume bem o que deveria ser o ponto de virada do governo federal diante de um Congresso que, dia após dia, demonstra que não há articulação possível com quem só opera por chantagem. Não é falta de conversa. É excesso de fome. O centrão não tem projeto de país, não tem alinhamento ideológico com o governo, e exibe uma voracidade crescente por cargos, ministérios e emendas — sem oferecer nenhuma contrapartida nas votações mais básicas.
As derrotas recentes, como a derrubada do veto ao IOF — que beneficia super-ricos com investimentos no exterior — e a aprovação de jabutis que vão aumentar a conta de luz dos brasileiros, escancaram que o jogo precisa mudar.
O que fazer? Exercer poder.
O governo não está ganhando quase nada. Portanto, não tem muito a perder ao parar de afagar quem sabota sua agenda. Está na hora de usar as ferramentas disponíveis sem depender dos abutres engravatados. Alguns caminhos possíveis:
- Jogar luz midiática sobre a sabotagem do Congresso, especialmente sobre o travamento da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. Lula já deu o tom nesta semana. É hora de intensificar.
- Pressionar pela queda da Selic — o Banco Central ainda tem, em parte, nomes indicados pelo próprio governo e pelo ministro da Fazenda.
- Reduzir ainda mais os preços dos combustíveis, quando possível, com controle estratégico da Petrobras.
- Fortalecer a divulgação das políticas sociais que já estão em curso, mostrando onde o Estado está presente de verdade.
- Rever a liberação de emendas, sobretudo para partidos que se alimentam do orçamento mas não entregam votos.
E talvez seja o caso de ir além: dissolver ministérios ocupados por partidos que, mesmo com espaços no governo, votam sistematicamente contra ele. Sabotagem não pode mais ser premiada com orçamento e visibilidade.
Exercer poder não é apenas dialogar e fazer concessões. É também saber quando empurrar.
Fazer política não é ser refém de chantagens permanentes. Não se governa o Brasil apenas com boa vontade e apelo à estabilidade. Governa-se também, quando necessário, com cotoveladas.