A sanha privatista, o mundo de ilusões e a cada vez mais notória arrogância do governador ganham espaço em tempos em que a política paranaense já não desperta tanto interesse nem move multidões. Ratinho Jr. vive em seu cercadinho. Vendeu, sem muitas dificuldades, a Copel, o maior patrimônio dos paranaenses. Retomou o pedágio. Militarizou escolas. Como combater tanta destruição?
Ratinho Jr. apareceu na política se vendendo como bom menino – com bochechas rechonchudas que ajudavam na construção do personagem. O tom de voz era baixo. A postura quase tímida. Junto ao forçado bom mocismo, tentava passar um ar de inovação e modernidade, utilizando-se de frases de efeito decoradas, sem efeito prático. Um marketing construído a custas de muito, mas muito dinheiro, ao longo de toda a sua trajetória.
Ratinho Jr. e suas diversas máscaras vêm caindo uma a uma. O tom de voz, outrora manso, em alguns momentos beira o autoritarismo – basta que uma pergunta saia do roteiro e o contrarie, como durante eleições, quando disse que estava terceirizando a educação porque os educadores apresentam muito atestado; recentemente, ao comentar a privatização da Copel, à rádio CBN; ou então quando abandonou uma entrevista, ao ser interpelado sobre a suspeita de espionagem ilegal no governo.
O bom menino era só mais uma invenção sem sustância da direita. Disso muitos já sabiam: mas como tal criação tem se sustentado por tanto tempo?
O governo de Ratinho Jr. vive numa bolha que tenta criar um mundo paralelo. Assim como Bolsonaro, ele vive em seu cercadinho – embora, diferente daquele, não tenha aficionados para o aplaudirem. Age na surdina e envia projetos polêmicos sempre ao apagar das luzes do ano Legislativo. A não ser nas redes sociais e nas propagandas milionárias, Ratinho pouco se expõe, joga na defensiva, dá poucas entrevistas – tudo para evitar a chance de ser pego de calça curta em temas incômodos.
E estes não faltam. O governador tenta levar a cabo a maior sanha privatista que o Estado já viu, o que causará um prejuízo sem tamanho ao patrimônio do estado, bem como na prestação de serviços, que só poderá ser mensurado daqui alguns anos. Pouco se vê movimentos contrários – que existem, mas já não reverberam como em outros tempos.
A Copel foi vendida, apesar de ser uma das melhores empresas do Brasil e ter uma das menores tarifas. Era rentável, dava lucro para o Estado, prestava bom serviço, por que vender? Neurose privatista e privatizar gera dinheiro para muita gente.
Mas não é só isso. Trata-se de um projeto de poder, visando a Presidência da República. O atual governador já mantém um controle tremendo sobre diversas instituições, a começar pela Assembleia Legislativa, o que faz com dinheiro do orçamento, liberando emendas; e em campanhas, abastecendo aliados. Também parece ter o Judiciário do seu lado, com uma atuação por vezes omissa, outras pouco combativa.
Vender a Copel é praticamente um crime de lesa-pátria. Como o governador justificou? Usando o pífio argumento de que queria acabar com indicações políticas – as que ele mesmo patrocinou, por exemplo, na montagem da diretoria, e fez questão de turbinar salários dos executivos. Cinismo.
É Copel que vai, é pedágio que volta. Ratinho Jr. quer implantar o modelo que pode ser o mais caro do Brasil – até mesmo superior ao pedágio antigo em algumas praças. O leilão do lote 2 foi um fracasso. Devido à atuação da Oposição, formada por PT e PDT no Paraná, o modelo melhorou, mas está longe de ser o ideal. Há alguns meses, em uma de suas poucas entrevistas, cometeu o ato falho daqueles cujo preparo intelectual é questionável – daí também porque evita microfones que não estão sob seu controle. Chamou o projeto defendido pela oposição, bem mais barato, de pedágio caipira (o bom moço não cabe mais no personagem).
Ainda fica a pergunta: por que essa sanha privatista? Sim, é delírio neoliberal, mas também estratégia para arrecadar dinheiro num primeiro momento para investimentos no Estado, aparecer em fotografias de obras e tentar a presidência da república. No curtíssimo prazo, para o retrato que o governador busca, são ações que podem até parecer positivas, quanto mais quando camufladas pelas ações de marketing, as quais ele é tão apegado. Contudo, destroem a soberania do Estado e a sua capacidade de implementar políticas públicas que melhorem efetivamente a vida das pessoas.
Recentemente, o Paraná configurou em último em indicador do Censo Escolar, sendo o estado brasileiro com a menor proporção de estudantes matriculados em tempo integral na rede pública de ensino médio. Nenhuma palavra do governador. Nas redes sociais, Ratinho Jr. resgatou dados questionáveis do Ideb, inflacionados por táticas da Secretaria de Educação, outrora comandada pelo privatista Feder, que agora em São Paulo se vê num cerco por todas as ações dúbias que cometeu aqui sem ser vítima do mesmo barulho.
Na educação, levou à frente outra proeza: militarizou centenas de escolas e quer mais, enfraquecendo a democracia nessas instituições.
Durante as eleições, ao ser questionado sobre o quanto a terceirização da educação causou prejuízos financeiros no Paraná (sem falar na queda de qualidade), insinuou que os servidores públicos vivem de atestado e que isso não estava na conta.
Quando foi flagrado no Carnaval do Rio neste ano, ignorando os eventos paranaenses porém contando peripécias nas redes sociais sobre o turismo do Estado, fingiu que não viu e que a notícia não aconteceu.
No mundo paralelo de Ratinho, o Paraná é o estado mais sustentável do Brasil, quando na verdade é o que mais desmatou a Mata Atlântica. Um governo que simplesmente não tem politica ambiental. Sobre isso, Ratinho não fala – ou melhor, fala apenas para seu cercadinho, em suas redes sociais, da forma como bem entender e como lhe convier.
Se desse mais entrevistas a veículos independentes (e como são poucos), teria de comentar, além da escandalosa privatização da Copel, sobre a terceirização da saúde e do sistema penitenciário, o desmantelamento da educação e universidades estaduais, a mentalidade do rico e do pobre ele que implantou em livros didáticos nas escolas estaduais. Sem falar no escândalo da Lotopar e da venda suspeita de terrenos no Porto de Paranaguá.
De todas as suas ações, a que mais denuncia como Ratinho Jr. é fisiológico e contraditório é o aumento de impostos que ele praticou no Paraná nos últimos dois anos. A elevação do ICMS degradou o setor produtivo e a população. Chama atenção como um governador que defende a diminuição do estado, o “choque de gestão” e um melhor ambiente produtivo – discurso padrão da direita – coloque em prática justamente uma ação em sentido contrário e que penaliza os mais pobres, pois as grandes empresas seguem se beneficiando da desoneração fiscal garantida sem qualquer transparência há anos pelo governador.
Ratinho Jr. finge que o mundo real não existe. Elegeu-se assim, contando com o pouco interesse das pessoas em assuntos relevantes, nem sempre fáceis de serem deglutidos, e apropriando-se de obras que não eram suas.
A oposição desta legislatura é atuante como nunca Ratinho viu, faz barulho, incomoda e causa constrangimentos, mas é minoria e é difícil enfrentar o monopólio da comunicação criado pelo governador.
Ratinho Jr. se comunica de maneira programada, usando a extensão da rede de jornais e sites que o apoiam em troca de verbas do governo, sem falar nas emissoras de rádio e TV de sua família. Praticamente, não tem oposição na mídia – exceto em poucos veículos.
Apesar de tudo, o governador segue bem aprovado. A tendência, contudo, é que sua aceitação diminua consideravelmente, a partir do momento que as pessoas começarem a entender o impacto de todo desmantelamento de que o Paraná tem sido vítima.
Ratinho Jr. é café com leite. Está longe de ser amado, mas não chega a ser odiado. É até mesmo pouco conhecido dos paranaenses – muitos apenas o associam ao pai, o apresentador Ratinho, que tem boa penetração nas classes populares, sendo esse seu maior trunfo.
O nosso legítimo picolé de chuchu tem seu modus operandi baseado na mais velha política: projetos polêmicos entrando à toque de caixa na Assembleia Legislativa com pacotaços maquiavélicos, prefeitos na coleira, cooptação de partidos. Nas eleições de 2022, por exemplo, deu uma rasteira no antigo aliado Cesar Silvestri Filho, que tentava se lançar candidato a governador, e trouxe o PSDB para o seu lado. Tática coronelista, diriam alguns. Na propaganda, no entanto, ele é protagonista da “nova política”.
Ratinho ainda tenta ser o bom moço. Engana cada vez menos. Não resistiria a um debate público, dos quais fugiu como o rato foge da ratoeira e que seriam inevitáveis numa disputa presidencial.
De toda maneira, ele quer ser candidato a presidente. É o sonho do pai. Para chegar perto de realizá-lo, terá de continuar correndo dos temas da realidade paranaense e falando para seu cercadinho. Mas se, de fato, entrar na disputa, o que parece cada vez mais improvável, não terá como fugir.
O ano de 2024 foi o pior para o governador desde sua primeira eleição, certamente o qual ele mais vezes esteve contra a parede.
Ratinho Jr. pode até enganar por enquanto. Mas, entre outras peripécias, a história o registrará como o governador que entregou a maior empresa e o maior patrimônios dos paranaenses a preço de banana. E isso é imperdoável.