Por Milton Alves*
No dia 17 de março de 2014, teve início a operação Lava Jato, que prometia varrer a corrupção dos políticos e poderosos, impulsionada por um vasto esquema midiático, capitaneado pela Rede Globo.
Nos primeiros anos, a Lava Jato obteve um amplo respaldo popular e transformou um juiz de primeira instância e um grupo de procuradores de Curitiba em “salvadores da nação”.
Em junho de 2019, o site The Intercept iniciou uma série de artigos que mostrou os bastidores da operação, revelando as trocas de mensagens entre os integrantes da força-tarefa da Lava Jato e o juiz Sergio Moro.
As transcrições das mensagens mostraram a atuação de Moro orientando o Ministério Público e a promotoria nas diversas fases da operação Lava Jato. Uma prática que viola o código de ética da magistratura e a Constituição brasileira, por desrespeitar os princípios da imparcialidade, independência e a separação entre defesa e acusação.
A parcialidade de Sergio Moro contaminou todas as ações da Lava Jato, desde as manobras e chantagens, até mesmo contra ministros de tribunais superiores, para usurpar a competência sobre investigações que não eram da Vara de Curitiba, até o balcão de compra e venda de delações direcionadas contra dirigentes políticos, cujo o alvo preferencial foi o atual presidente Lula, condenado e preso de forma injusta e arbitrária.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, chegou a classificar a atuação da força-tarefa como um verdadeiro “esquadrão da morte” e que “atuava totalmente fora dos parâmetros legais”.
No momento, o ex-juiz e ainda senador Sergio Moro tenta escapar da cassação de seu mandato e trata de deslocar o domicílio eleitoral de sua esposa, a deputada federal por São Paulo, Rosangela Moro, para Curitiba, cometendo mais uma fraude contra o eleitor paulista. A manobra canhestra de Moro visa assegurar as condições para uma futura candidatura ao Senado de Rosangela Moro em 2026, no caso da eventual cassação do mandato do ex-juiz.
‘Lavajatismo’ é o fascismo de toga
Ao traçarmos uma linha do tempo da operação iniciada em março de 2014, é também inevitável a constatação de que a Lava Jato contribuiu de forma decisiva para a subversão da institucionalidade pactuada na Assembleia Nacional Constituinte de 1988, praticando um modelo importado de justiça, de caráter punitivista, autoritário, de exceção – violando todas as regras consagradas no chamado estado de direito.
Uma avaliação mais geral do contexto do surgimento da operação Lava Jato aponta para uma ação sintonizada com a política implementada pelo Departamento de Estado (DoS) norte-americano: Após o colapso do estado soviético e o fim das guerrilhas marxistas em El Salvador e Guatemala, os Estados Unidos iniciaram na América Latina e no Caribe, nos anos 90, a “guerra contra as drogas”, uma operação de interferência direta nos países da região.
Em um novo giro na política imperialista, depois da chamada “guerra contra o terror” dos anos 2000, a agenda de combate à corrupção também pautou as ações do Departamento de Estado e demais agências norte-americanas de inteligência e espionagem, um instrumento a serviço da desestabilização de governos democráticos e progressistas do continente. Brasil, Equador, Argentina e Peru, em graus diferenciados, foram os alvos de campanhas “anticorrupção”, com o estímulo, suporte e participação direta de agências estadunidenses.
Portanto, um dos maiores crimes praticados no curso da operação Lava Jato foi a colaboração clandestina com agências, como o FBI, e autoridades dos EUA e da Suíça, uma grave lesão aos interesses do país que precisa ser devidamente apurada.
Os danos institucionais, econômicos e sociais gerados pela Lava Jato devem ser examinados cuidadosamente pela lupa do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional, PGR, Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo próprio Ministério Público Federal, definindo os crimes e a responsabilização dos envolvidos.
Legado nefasto
Órgãos da mídia corporativa – TV Globo e Folha de São Paulo – tentam relativizar os crimes e impactos negativos da Lava Jato na vida nacional. O esforço atual da mídia pró-Lava Jato é apresentar os crimes como simples desvios da “rota positiva” da operação no combate à corrupção no interior do estado brasileiro.
Segundo os órfãos da Lava Jato, a experiência foi positiva e que um balanço da operação não pode abrir caminho para a volta da impunidade dos agentes públicos e empresários. Ou seja, o mesmo discurso favorável ao lavajatismo, reciclado por um tom mais defensivo diante das montanhas de denúncias, que revelam os métodos criminosos praticados pelo ex-juiz e senador Sérgio Moro, que em breve será julgado pelo TRE-PR por violar as regras eleitorais em 2022, e por Deltan Dallagnol, deputado cassado e ativista da extrema direita.
Apesar do desgaste e da desmoralização atual de figuras como Dallagnol e Sergio Moro, a Rede Globo continua praticando a defesa da Lava Jato, alimentando um discurso leviano sobre o combate à corrupção.
Além disso, é impossível não estabelecer o nexo entre Operação Lava Jato e a vitória eleitoral, em 2018, do cleptofascista e genocida Jair Bolsonaro, que conduziu um governo desastroso. O lavajatismo foi um importante estuário para ação política da extrema direita, que com muita demagogia e o apoio da imprensa dominante, empolgou vastos setores da população e do eleitorado.
Os métodos da Lava Jato desembocaram na criminalização dos partidos e de lideranças políticas, que teve como maior expressão a campanha inédita de lawfare contra um líder político brasileiro – o atual presidente Lula -, condenado e preso sem provas por 580 dias. O encarceramento “preventivo” de executivos de empresas privadas e públicas, as delações forjadas, as conduções coercitivas ilegais, as prisões filmadas, os vazamentos seletivos para a Rede Globo, a falsificação de documentos e a espionagem de advogados de defesa dos acusados foram alguns dos mecanismos criminosos utilizados pela operação.
A Lava Jato legou um enorme passivo na economia do país, sob o pretexto do combate à corrupção, provocou a implosão de setores inteiros da economia nacional, afetando a indústria da construção civil e de infraestrutura pesada, a indústria naval, o setor químico e a cadeia produtiva de petróleo e gás.
Segundo estudo do Corecon [Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro], a Lava Jato foi um fator importante no agravamento do quadro de recessão na economia entre os anos de 2015 a 2018 e foi a responsável pela queda de até 85% do faturamento das construtoras brasileiras, o que acabou gerando a perda de mais de quatro milhões de empregos diretos e indiretos em todo o país.
A eliminação dos mecanismos criminosos do lavajatismo no interior do Sistema de Justiça, é fundamental para abrir caminho na direção de uma reforma profunda das instituições judiciais e do próprio Ministério Público.
*Jornalista, escritor e pós-graduando em Ciência Política. Militante do PT de Curitiba. Autor de ‘Brasil Sem Máscara – o governo Bolsonaro e a destruição do país’ [Editora Kotter, 2022] e de ‘Lava Jato, uma conspiração contra o Brasil’ [Kotter, 2021], entre outras obras. É colunista em diversos portais e sites da imprensa progressista e de esquerda.