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“Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”

Foto: Agência Brasil

Por Wilson Ramos Filho, o Xixo

Relendo Machado de Assis, após revisitar Dom Casmurro e de renovar minhas certezas sobre Capitu e sobre Bentinho, e, maravilhado, depois de rememorar as escaramuças entre Pedro e Paulo nas considerações do Conselheiro Aires sob as incertezas da proclamação da república, em Esau e Jacó, subvertendo a cronologia esperada e, talvez, aconselhável para melhor perceber as nuances biográficas dos personagens, atraco-me ao saboroso Quincas Borba antes de reler as Memórias Póstumas de Brás Cubas.

E, ansioso como sempre, chego enfim à esperada metáfora das batatas que tão bem explicam o princípio que rege não apenas o capitalismo, mas que se constitui na condição necessária para sua superação, ainda que hipotética e ainda não vislumbrável.

Separei um trecho do capítulo 6:

“- Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

— Mas a opinião do exterminado?

— Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.

— Bem; a opinião da bolha…

— Bolha não tem opinião. Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho. Repito, as bolhas ficam na água. Vês este livro? É Dom Quixote. Se eu destruir o meu exemplar, não elimino a obra que continua eterna nos exemplares subsistentes e nas edições posteriores. Eterna e bela, belamente eterna, como este mundo divino e supradivino.”

Quando vejo juristas conservadores e mesmo alguns progressistas acometidos de Damarismo Jurídico (dos que viram a Constituição na goiabeira), essa sequela causada nas almas boas, embora simplórias, pela peste do bolsonarismo e pelas graves consequências causadas pelo vírus do lavajatismo, a sua mais concreta tradução, reclamando de alegados ”excessos do STF em relação aos fascistas e aos patriotários”, tenho vontade de repetir, como o não tão velho Quincas:

“Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.”

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